Por: Olímpio Tavares*
Desde os primórdios da humanidade o ser humano se acostumou a uma forma de viver, de pensar e de agir ligado a posse. A língua que utiliza no dia a dia, os bens que possui, os filhos, enfim, tudo que enforma a sua existência está, por assim dizer, fundamentado nessa forma de relação.
Como o ser humano vê tudo em função de posse, também vê a relação com a sua alma gêmea da mesma forma. Neste sentido, o marido chama a mulher de minha mulher e a mulher chama o marido de meu marido. Ou seja, meu e minha são pronomes possessivos. O problema surge exatamente aí, ao considerar o amor uma coisa na qual se pode obter como se fosse um objeto qualquer.
O amor não é um objeto na qual se pode obter por um processo de aquisição sujeito-objeto. É uma qualidade sublime que se manifesta em todos os seres do universo, cada um à sua maneira. No ser humano, o amor tem características peculiares dificilmente traduzível pelas palavras que utilizamos. As palavras apenas dão conta das nossas pretensões amorosas, sem grandes fundamentos plausíveis. O que significa que na prática ao pronunciamos a palavra amor ou então ao fazermos uma declaração de amor a uma pessoa, não significa que essa palavra esteja cheia daquilo que sentimos e pensamos na realidade. Se é difícil expressar o amor, e se é difícil saber o que é o amor, como é possível um homem amar uma mulher?
De uma forma abreviada, podemos dizer que não é possível um homem amar uma mulher. Entendendo esta frase como uma relação sujeito-objeto. Ou seja, o homem toma a mulher como o objeto do seu amor e a mulher toma o homem como o objeto do seu amor. Nesta relação não existe amor, existe apenas uma relação de posse, na qual o homem procura aporderar-se da mulher e a mulher procura apoderar-se do homem. E isso não é amor, é outra coisa qualquer. Então, quais são as condições necessárias para que exista o amor entre um homem e uma mulher?
Em primeiro lugar, todo o amor começa por amor próprio, amar a nossa própria pessoa. É o amor mais efetivo e substancial que existe, por razões óbvias. O que significa que se um homem quer entrar numa relação amorosa com uma mulher ou vice-versa, então deverá começar por amar a sua própria pessoa. Feito isso estará em condições de partilhar o seu amor com a mulher. Dito de outro modo, o homem ama a si próprio e a mulher ama a si própria e juntam-se para partilhar o amor.
A pergunta inicial que deu azo a esta reflexão deveria ser formulada da seguinte forma: é possível um homem partilhar o seu amor com uma mulher ou vice-versa? Não é fácil partilhar o amor. Primeiro, porque quem ama a si próprio sente-se confortável nessa situação. Gera-se uma espécie de auto-suficiência, na devida proporção humana. Segundo, porque é sempre arriscado confiar no outro, uma vez que os elementos que temos para estabelecer a nossa confiança são inseguros. Mas como o amor vive da insegurança e da incerteza, entre outros elementos, podemos arriscar e, neste caso, conseguir um bem ainda maior, que é a partilha do amor.
Se um indivíduo amar a si próprio já é bom. Se conseguir partilhar o amor com outra pessoa é excelente.
*Licenciado em Filosofia, pela Universidade Católica Portuguesa (Lisboa). Atualmente, leciona Filosofia na Escola Secundária “Olegário Tavares”, na vila de Achada do Monte (interior de Santiago)
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 718, de 03 de Junho de 2021