O poeta José Luiz Tavares acusa o governo cabo-verdiano de ter eliminado “criminosamente” os “bem sucedidos” programas experimentais de ensino bilingue que decorriam em diferentes regiões do país.
José Luiz Tavares falava em entrevista à Inforpress, a propósito do lançamento, nesta terça-feira, no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, da edição bilíngue do poema “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, traduzido para a língua cabo-verdiana pelo poeta.
O mais premiado escritor cabo-verdiano, diz que gostaria que o Governo de Cabo Verde tivesse um programa de enquadramento para a tradução de grandes clássicos de outras línguas. Mas não vê isso acontecer tão cedo.
“De um governo que eliminou criminosamente os bem sucedidos programas experimentais de ensino bilingue que decorria em diferentes regiões do país, e com perspectivas de serem alargados, esse mesmo governo que, quando comunica em cabo-verdiano por escrito, fá-lo numa garatuja clandestina violando as suas próprias leis e resoluções soberanas, como eu dizia, de um tal governo nada de positivo, no que concerne à língua cabo-verdiana, se deve esperar”, vincou.
Para o escritor, “os direitos de cidadania linguística, que são direitos humanos básicos”, não podem ser, no entanto, “postergados ou denegados”, sejam quais forem “os peões internos e as forças externas que se opõem à dignificação de direito (para ser plena) da língua cabo-verdiana”, considerando que o arquipélago vive “ politicamente numa espécie de “esquizoglossia”, isto é, “esquizofrenia linguística”.
Para o escritor, os partidos políticos bloquearam todas as iniciativas pelo avanço institucional da língua cabo-verdiana, agora, a sua esperança é que os dois principais candidatos às próximas eleições presidenciais, que sobre esta questão já tiveram “posições muito firmes e claras”, façam dela o principal ponto do seu programa.
José Luiz Tavares quer que o próximo Presidente da República “pressione fortemente” o Governo e “chamando à pedra” os partidos políticos, no sentido da materialização do que está na Constituição e na lei de bases do ensino, cumprindo um dos “mais basilares direitos humanos”, que é o direito a aprender a língua materna e poder utilizá-la em todas as esferas da vida”.
Quanto a este último aspecto, entende que os tribunais cometem todos os dias “abuso de poder”, mandando traduzir depoimentos prestados em língua cabo-verdiana.
Para José luiz Tavares não “é com supostas visões” de superioridade linguística de “gente apegada a um passado que fantasiam glorioso”, ou com a “intolerância de certos alucinados do futuro” que se constrói a “pátria plural do bilinguismo”.
“É connosco, os impenitentemente crioulófonos, nós os resolutamente lusógrafos, com o nosso espírito bailando entre duas (ou mais) bandeiras linguísticas que o bilinguismo efectivo trilhará as estradas do futuro”, vincou, indicando ter o seu projecto particular de tradução para os próximos dez anos.
Depois da tradução para a língua cabo-verdiana dos sonetos de Camões, José Luiz Tavares apresenta esta terça, em Lisboa, a edição bilíngue da Ode Marítima, de Fernando Pessoa, considerado, ao lado de Luís de Camões, o maior poeta da língua portuguesa e um dos maiores da literatura universal.
C/Inforpress