Por: João Serra*
Esta é a terceira e última parte do artigo em referência e versará sobre a importância acrescida e o papel das MICROFINANÇAS/MICROCRÉDITO, no contexto da atual crise económica provocada pela pandemia de Covid-19. Mas antes, uma ressalva: apesar da microfinança não se limitar apenas ao microcrédito, é de se reconhecer, no entanto, que o microcrédito é a sua vertente mais conhecida e percetível, pelo que, ao longo do texto, referimo-nos aos dois conceitos, muitas vezes, como sendo a mesma coisa.
É inquestionável que a atual crise económica mundial é a pior desde a II Guerra Mundial. Os Governos de diferentes países do globo estão a enfrentar desafios complexos, num contexto de múltiplas incertezas geradas por um problema sanitário que afeta negativamente as economias.
Também é verdade que as notícias sobre a vacina são boas notícias para o médio-prazo, ainda que subsistam desafios e incertezas significativas sobre o “timing” para a sua produção em quantidades suficientes e a eficácia em diferentes grupos de pessoas. Pois, segundo especialistas, é muito cedo para analisar, com confiança, as implicações da vacinação na trajetória da economia, especialmente no curto-prazo.
Ao contrário do que aconteceu em 2008, onde a crise começou no sector financeiro, nos EUA, e depois se alastrou ao resto da economia e do mundo, a atual crise afeta todos os sectores e todos os países ao mesmo tempo, impactando, particularmente, os países em vias de desenvolvimento e as camadas de população mais vulneráveis e pobres. Neste particular, o Fundo Monetário Internacional (doravante, FMI ou Fundo) deixa um aviso aos países: a pandemia de Covid-19 está a aumentar as desigualdades e é preciso agir para travar este caminho. Caso contrário, o risco de instabilidade social aumenta, à medida que as populações perdem a confiança nas instituições.
A análise do FMI consta de um capítulo analítico do “Fiscal Monitor”, publicado a 01 de abril de 2021, em antecipação à divulgação do documento sobre a evolução orçamental dos países. A instituição liderada por Kristalina Georgieva coloca a tónica no impacto da pandemia nas desigualdades crescentes e recomenda aos países que comecem, desde já, a tomar medidas, devendo a política orçamental continuar flexível e apoiar os sistemas de saúde, famílias, empresas viáveis e a recuperação económica. Porém, as medidas devem ser bem calibradas para evitar a revolta social, avisa a Diretora Geral do FMI.
“Os decisores políticos devem responder ao sentimento público que, como resultado da pandemia, poderá estar a mudar no sentido de exigir políticas mais inclusivas”, lê-se no documento. Neste quadro, será crucial compreender as preferências da população sobre a melhor forma de alocar a despesa pública e desenhar o enquadramento fiscal. Estas preferências “provavelmente foram afetadas pela crise da Covid-19”, sublinha o Fundo. “Erros de cálculo podem levar à instabilidade política. Reforçar a confiança no governo é chave para implementar as políticas públicas necessárias, mas é ainda mais desafiante durante uma pandemia”, alertam os especialistas do FMI.
Em causa está o facto do impacto da pandemia de Covid-19 ser altamente desigual. As populações mais afetadas são as que já estavam mais vulneráveis, o que intensifica as desigualdades pré-existentes. O FMI sublinha uma série de estudos que têm sido publicados pela comunidade de economistas e cientistas que evidenciam este impacto desigual.
Outrossim, ainda segundo o FMI, a incidência de pobreza extrema subirá, pela primeira vez, em duas décadas e a desigualdade agravar-se-á. As estimativas do Fundo indicam que, a nível mundial, houve, em 2020, um aumento de 95 milhões de pessoas em pobreza extrema, face às projeções que existiam no pré-Covid-19.
Perante este cenário, o FMI recomenda políticas tanto pré-distributivas, como redistributivas. Ou seja, agir no que condiciona o acesso ao mercado de trabalho, por um lado, e nos rendimentos conseguidos pela população, por outro. Nas medidas pré-distributivas, recomenda-se, por exemplo, o aumento da despesa pública em educação, saúde, infraestruturas e microcrédito para que os mais pobres tenham mais acesso aos serviços públicos e ao financiamento, assim como oportunidades iguais.
A crise afeta, ao contrário da Grande Crise Financeira que atingiu mais a população masculina, com maior incidência as mulheres, os trabalhadores informais e com baixas qualificações, isto é, os trabalhadores que predominam nas indústrias mais dependentes de contacto ou presença física. Segundo o FMI, mundialmente, 42% das trabalhadoras informais desenvolvem a sua atividade em sectores severamente afetados pela presente crise que compara com 32% dos trabalhadores informais homens.
Vivemos, assim, uma nova era, com problemas complexos de difícil resolução. Porém, o Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus vê no microcrédito uma preciosa ajuda nos tempos difíceis que correm, na perspetiva de se mitigar os problemas por que passam diariamente milhões de famílias pobres no mundo.
Reconhecido mundialmente pelo sistema de microcrédito, que consiste na concessão de pequenos empréstimos a empreendedores, na maioria dos casos, demasiado pobres para obterem empréstimos de bancos tradicionais, o qual ajudou milhões de pessoas a escapar à pobreza, Muhammad Yunus acredita que este sistema poderá ajudar as populações mais pobres a retomar a sua vida após a pandemia.
Com efeito, perante o atual contexto pandémico de aumento do desemprego e de redução dos rendimentos, empréstimos de pequenas quantias ganham relevância, pois ajudam a muitas pessoas a ter acesso ao emprego e, por esta via, ao rendimento. E isto pode refletir-se, positivamente, no momento da esperada retoma económica, já que tem um efeito multiplicador, ao permitir que as classes menos favorecidas mantenham as “contas em dia”, para além de ajudar a sustentar micro e pequenos negócios, que são muito dependentes da presença física na gestão, inclusive de trabalhadores informais.
Fugindo de um mercado tradicional, o dos bancos clássicos e investidores no mercado de capitais, o microcrédito surge como o principal financiador na criação de micro e pequenos negócios e seu desenvolvimento, e quem assume o risco moral, cumprindo com a sua missão social: a promoção da inclusão financeira. De igual modo, sendo um instrumento de política económica, é um incentivo para injetar fôlego na economia local das diversas regiões e localidades, na medida em que dá acesso a recursos financeiros, criando novas oportunidades de desenvolvimento económico e social.
Ademais, quando a oferta é diversificada, o microcrédito pode ser utilizado, designadamente, para a aquisição de bens (máquinas, matérias primas) necessários à produção e ao desenvolvimento de empreendimentos, ao financiamento do fundo de maneio e à contratação de mão-de-obra qualificada. Juntamente com isso, surgem novas oportunidades e investimento no capital humano que, consequentemente, criam incentivos e novas oportunidades, alimentando a economia. No contexto específico da recuperação económica, torna-se, ainda, necessário o crédito a micro empreendimentos que sejam capazes de criar postos de trabalho, nomeadamente com uma política de refinanciamento atrativa.
Por causa disso, no quadro das estratégias bem-sucedidas de desenvolvimento ao nível dos diferentes continentes e países, o microcrédito vem ocupando, de forma crescente, um papel de relevo, com destaque para as políticas focalizadas na capacitação das camadas mais desfavorecidas da população.
Tal qual referido nas outras partes do presente artigo, a economia cabo-verdiana apresenta muitas vulnerabilidades, tem problemas estruturais e é uma economia muito exposta, uma vez que está muito dependente de certos sectores, com especial destaque para o sector do turismo que, antes da pandemia, representava cerca de 25% do produto interno bruto (PIB) nacional. E o sector do turismo é um sector que foi especialmente atingido pela crise, sendo um dos principais responsáveis pela forte e histórica recessão económica em 2020, estimada em 14,8% do PIB.
Também tal qual já referido anteriormente, deve-se aproveitar a crise como uma oportunidade para a realização das necessárias reformas estruturais na nossa economia, para que, no futuro, o tecido empresarial nacional esteja em condições para impulsionar a recuperação e, nalguns casos, competir no mercado internacional. Até que a pandemia seja controlada globalmente, impõe-se, igualmente, que a política orçamental continue flexível e apoie os sistemas de saúde, famílias, empresas viáveis e a recuperação económica, devendo os estímulos orçamentais ser direcionados para os sectores que melhor podem ajudar numa recuperação que se espera incerta e desigual, de forma a se evitar que os apoios do Estado se transformem num fardo que toda a sociedade terá que carregar. Por outras palavras, governar com base no que deve ser feito!
No atual contexto de crise pandémica, um dos grandes desafios que se colocam a Cabo Verde é conseguir fazer crescer a economia, para gerar rendimentos às famílias e criar emprego. Mas o tão almejado e necessário crescimento da produção interna só é possível com políticas de enquadramento adequadas e de estímulos corretos. Por outro, o espírito empreendedor, capaz de impulsionar maior dinamismo económico, pode manifestar-se ineficaz, caso o sistema financeiro não seja moldado de forma a possibilitar recursos financeiros para investimento, particularmente às camadas de população com maiores dificuldades de acesso ao financiamento. Assim, a existência de um sistema financeiro evoluído e inclusivo é uma condição “sine qua non” para a dinamização do crescimento económico.
Neste quadro, as microfinanças representam um elo importante para mitigar o fosso existente entre os pobres e o sector financeiro, promovendo a inclusão financeira e social. Sendo certo que as potencialidades do microcrédito extravasam amplamente a problemática da redução da pobreza, importa reconhecer que o acesso ao crédito representa umas das principais barreiras para as camadas mais desfavorecidas da população. Como escreve o Sr. Muhammad Yunus, “Microcrédito é muito mais que emprestar dinheiro e recebê-lo de volta. Esta é apenas uma parte. Microcrédito é também mudança social”.
À semelhança de vários países, Cabo Verde também tem utilizado o microcrédito como um instrumento de combate à pobreza e exclusão social. Com efeito, para além da falta de oportunidades aliada a níveis de rendimento e de consumo fracos, a pobreza está intimamente associada a limitações em termos de capital humano, decorrentes de situações desfavoráveis ao nível da saúde, da educação, formação profissional, da segurança e acesso às instituições e aos serviços públicos de um modo geral.
Conforme os resultados do III Inquérito às Despesas e Receitas Familiares de 2015, existiam em Cabo Verde, nesse ano, cerca de 180 mil pessoas em situação de pobreza, o que correspondia a, aproximadamente, 35% do total da população. Trata-se de um número de pobres extremamente elevado e socialmente preocupante. As mulheres perfaziam cerca de 53% dos pobres, o que também nos deve levar a pensar, tendo em conta o papel da mulher numa sociedade em que a maioria das famílias tem uma mulher como chefe.
A isso acresce um tecido empresarial frágil, com diminuto valor acrescentado e grau de especialização, e constituído em cerca de 95% por micro, pequenas e médias empresas. As micro e pequenas empresas, embora sendo os sectores empresariais que mais contribuem para o emprego e a geração de rendimento para as famílias, são as que defrontam maiores dificuldades de acesso ao crédito no sector bancário tradicional.
Neste contexto, o sector de microfinanças poderá ser um importante recurso para o desenvolvimento das micro e pequenas empresas.
Existe consenso na literatura internacional sobre o papel fundamental que o sector das microfinanças desempenha no desenvolvimento económico e social de um país. Na verdade, segundo pesquisas realizadas, as microfinanças incorporam todos os produtos e serviços financeiros destinados particularmente aos pobres, tais como o microcrédito, a poupança, os seguros, entre outros. As Nações Unidas designaram o ano de 2005 como o “Ano Internacional do Microcrédito. Quando o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a Muhammad Yunus e ao “Grameen Bank”, no ano seguinte, o Comité do Nobel classificou o microcrédito como “um instrumento cada vez mais importante na luta contra a pobreza”. Por seu turno, ciente da importância do microcrédito, a estrela “pop” da banda U2, Bono, mundialmente conhecido pela sua intervenção social, foi ainda mais longe ao fazer a seguinte afirmação: “Dê a um homem um peixe, e ele vai comer por um dia. Dê a uma mulher um microcrédito, e ela, o seu marido e os seus filhos comerão por toda a vida”.
Todavia, evidências cuidadosamente recolhidas ao longo de muitos anos demonstram que a concessão de créditos, só por si, não basta para alimentar uma família inteira por toda a vida. Na verdade, uma série de testes sublinhou a importância do desenho do programa de microcrédito e, em muitos casos, confirmou que esses esquemas, simplesmente, não proporcionam bons resultados na erradicação da pobreza. Na maioria dos casos não aumentam os rendimentos médios de forma substancial e arriscam-se a sobrecarregar os mais pobres com dívidas adicionais.
Dito doutro modo, é absolutamente necessária uma correta política de microcréditos que não tenha subjacente os chamados “incentivos perversos” (“moral hazard”, no original em inglês), por um lado. Por outro, tal política terá que ser acompanhada de outras medidas, nomeadamente de capacitação, sobretudo tratando-se de um público-alvo com baixo níveis de escolaridade e de literacia financeira. O êxito dos programas de microcréditos no combate à pobreza dependerá, portanto, também da capacitação das pessoas nas técnicas e ferramentas básicas de gestão e na elevação dos seus níveis de literacia.
Em Cabo Verde, dados disponíveis demonstram que, ainda, é relativamente modesto o nível do financiamento dos micronegócios através do microcrédito e que muito mais se poderá ainda fazer nesta área, sobretudo, agora, no contexto de profunda crise económica. Estima-se que a atividade de microfinanças representa cerca de 2% do PIB de Cabo Verde. Esta cifra está muito aquém do contributo potencial revelado por um estudo (Estudo de Mercado das Microfinanças, Praia, 2018) realizado pela “International Capital Corporation”, que aponta, em 2018, para uma demanda potencial de microcrédito de mais de 71.000 clientes e para um potencial de mercado de mais de 12 milhões de contos.
Dos diversos estudos realizados podem-se retirar as seguintes conclusões sobre o microcrédito no nosso país:
a) O microcrédito encontra-se essencialmente disponível às camadas mais desfavorecidas/baixa renda e a carteira de crédito é constituída na sua maioria por mulheres;
b) Os pobres excluídos ou em vias de exclusão apresentam uma fraca participação no microcrédito, uma vez que não apresentam qualquer garantia para terem acesso ao crédito;
c)Apesar de as instituições de microcrédito não solicitarem as mesmas garantias que um banco tradicional, na maioria dos casos, o facto da exigência de um fiador e de uma poupança mínima tem sido um entrave ao acesso ao crédito pelos pobres;
d)Não se verifica uma grande adesão ao crédito para criação de micro e pequenas empresas que traduzem na criação de postos de trabalho. Embora haja créditos com a finalidade de criação de empresas e postos de trabalho, a maior parte dos créditos solicitados e atribuídos destinam-se a pequenos comércios que proporcionam, quase que exclusivamente, o sustento das famílias e algumas melhorias na qualidade de vida;
e) O comércio é eleito como o sector preferencial dos beneficiários, por ser menos burocrático e de retorno de capital rápido.
Todavia, nos últimos anos, graças ao meritório trabalho das instituições de microfinanças e da sua organização representativa – a Associação Profissional das Instituições de Microfinaças – liderada pelo Dr. Jacinto Santos, é de se registar avanços extraordinários num sector que começou há cerca de duas décadas e meia com pequenos créditos, tendo já realizado dezenas de milhares de operações de crédito, mobilizado largos milhões de contos e beneficiado mais de uma dezena de milhares de pessoas no nosso país.
Tal qual no passado, também hoje, o problema de fundo que se coloca ao sector do microcrédito em Cabo Verde é o do seu crescimento em bases sustentáveis e de forma diversificada. As instituições de microcrédito deverão ser financeiramente sólidas e autossuficientes, mas, ao mesmo tempo, prestadoras de serviços financeiros destinados ao financiamento de um leque variado de microiniciativas empresariais. Ou seja, para que o sector de microcrédito melhore a “performance” e perdure, é absolutamente necessário que as suas instituições sejam corretamente enquadradas, geridas e apoiadas, para que não se ponha em causa a sua continuidade.
Neste contexto, a preocupação maior tem a ver com a materialização das condições institucionais, legais e regulamentares para uma implementação coerente das políticas de promoção, crescimento e profissionalização do sector das microfinanças. Só assim constituem um instrumento privilegiado de promoção da cidadania económica, de inclusão social e financeira, bem assim, de empoderamento de segmentos das populações mais vulneráveis, particularmente mulheres e jovens.
A nível institucional e legal, o passo decisivo para a transformação na direção supramencionada, foi dado com a aprovação da Lei nº 83/VIII/2015, de 16 de janeiro, alterada e republicada pela Lei n.º 12/IX/2017, de 2 de agosto, que estabelece o regime jurídico da atividade das microfinanças e respetivas instituições.
Estando sujeitas à regulação e supervisão, desde janeiro de 2019, as instituições de microfinanças tomam parte ativa no sistema financeiro do país e têm acesso ao mercado de capitais. Deste modo, podem captar fundos do mercado para canalizar para as necessidades de crédito dos segmentos da população com mais dificuldades de acesso ao financiamento bancário.
A publicação dessa lei trouxe novos desafios ao BCV, no tocante à regulação e supervisão das instituições de microfinanças, ao mesmo tempo que traz benefícios vários à disciplina destas instituições, por passarem a ser supervisionadas e regulamentadas por uma instituição autónoma, credível e prestigiada, no caso o Banco Central, na linha das recomendações de instituições internacionais, nomeadamente o Banco Mundial.
Ao nível macro, a supervisão prudencial tem como objetivo proteger os interesses dos depositantes e investidores. Tal visa manter a estabilidade do sistema financeiro e assegurar a eficiência e as condições de concorrência entre os operadores no concernente à captação de “funding” e à alocação de recursos visando o desenvolvimento das instituições de microfinanças.
Ao nível micro, pretende-se que estas instituições tenham uma gestão mais profissional, respeitando as boas práticas de governação, designadamente a prestação de contas, uma gestão de riscos com mais responsabilidade, e a transparência.
O processo de transformação, ainda na sua fase inicial, das microfinanças exige mudanças de comportamentos, de processo, nas instituições, na legislação e na regulamentação. Também, comporta riscos, cria resistência e desafios a vários níveis, nomeadamente na estrutura de propriedade, na capitalização, na estrutura legal e no modelo de governação.
Não obstante isso, é importante reconhecer que o fator fundamental, na maior parte das transformações institucionais, foi a necessidade de ter acesso a maiores e mais flexíveis fontes de captação de recursos.
Hoje, perante as devastadoras consequências económicas e sociais da crise pandémica, mais do que nunca, torna-se um imperativo político que seja tirado o máximo proveito possível das potencialidades das microfinanças como uma importante ferramenta económica e de inclusão financeira, devendo, para tal, serem criadas todas as condições necessárias. Na verdade, através do microcrédito e, mais recentemente, dos chamados microseguros, é possível gerar rendimentos, criar emprego e transformar a vida das pessoas de baixos rendimentos, que, doutro modo, não seria possível, devido à falta de garantias tradicionais sob a forma de bens ou rendimentos relevantes.
Para o efeito, é fundamental que os agentes que operam na área das microfinanças, particularmente os gestores estejam devidamente informados e capacitados para o exercício da sua atividade, no estrito cumprimento do quadro legal e regulamentar. Num primeiro momento, cabe ao Estado desempenhar um importante papel na promoção da capacitação institucional e financeira das instituições de microfinanças, ajudando-as, nomeadamente, a mobilizar assistência técnica e recursos financeiros externos, caso necessário. Por outro, deve o Estado, no âmbito da arbitragem dos recursos orçamentais, reforçar e, eventualmente, criar novos incentivos às instituições de microfinanças, na linha da sugestão do FMI. Referimo-nos, designadamente, a linhas específicas de financiamento, dotadas de importantes recursos financeiros, com taxas de juro bonificadas e, eventualmente, com garantias parciais, destinadas, exclusivamente, a sectores de atividade, previamente definidos, propícios e/ou com enorme potencial para o exercício de micronegócios: agricultura, pecuária, pesca, pequena indústria alimentar transformadora, turismo, artesanato, cultura, etc.
Recomenda-se, também, que seja feito um estudo de avaliação do modelo de regulação e supervisão adotado em Cabo Verde para as instituições de microfinanças que a tal estão sujeitas, para que se possa aferir se o mesmo está ajustado à realidade do sector, tendo em conta que se trata de uma experiência nova no país.
De igual modo, o Estado e o Banco Central têm que estar, também, abertos, para procederem a eventuais ajustamentos no modelo de governança que se revelarem necessários ao eficaz cumprimento da importante missão de inclusão financeira e de promoção da cidadania económica que está reservada ao sector de microfinanças, tendo em conta as especificidades deste sector.
Praia, 19 de abril de 2021
*Doutor em Economia
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 712, de 22 de Abril de 2021