Por: Ednilson Fernandes
Como alguém disse e passo a citar, “A cultura forma sábios; a educação, homens (Louis Bonald)”. Estas não são apenas palavras bonitas, nem uma simples reflexão filosófica. Na minha modesta opinião, trata-se de um facto inegável. Não há nenhuma sociedade humana que possa ambicionar um futuro próspero a nível civilizacional, sem desenvolvimento cultural, uma vez que o mesmo está intrinsecamente na nossa raiz, é a matriz que nos identifica, qualifica e nos torna únicos no panorama internacional.
Quanto à educação, ela é o motor de divulgação cultural.
Sim, porque um Povo sem educação cultural é como um barco à deriva, mais tarde ou mais cedo acabará por se perder.
Cabo Verde é um arquipélago rico a nível cultural, mas subaproveitado a todos os outros níveis. Temos, ao longo do tempo, ficado órfãos dos grandes embaixadores da nossa cultura. Passo a citar alguns nomes: Ildo Lobo, Cesária Évora, Bana, Katchas, Codé di Dona, Nacia Gomi, Bibinha Cabral, todos eles no panorama musical. Pouco ou quase nada sabemos sobre a forma como muitos deles sentiam, viviam, ou sobre o que os levou a enveredar pelo caminho da música e, sobretudo, quais as suas fontes de inspiração. Todas estas perguntas ficaram sem uma resposta. O mesmo sucede com a dança, a pintura, a escultura, o artesanato, a literatura, a poesia, etc. Todas estas expressões culturais ficaram, na sua maioria, sem registos escritos que testemunhassem a visão e o sentir destes homem e mulheres que tanto contribuíram, e continuam a contribuir, para a promoção da cultura Caboverdiana na diáspora. E isto acontece, na minha opinião, por falta de uma estratégia política dos nossos governantes e, principalmente, do ministério da cultura, que tem feito muito pouco quando tinha a responsabilidade de ter uma intervenção mais decisiva.
Durante anos, Cesária Évora foi, no mundo inteiro, o “bilhete de identidade” para as pessoas que não conheciam Cabo Verde, mas sabiam quem ela era e o que que representava através da sua música: a essência do País que a viu nascer. Muito me entristece hoje saber que vai ser lançado um livro sobre Cesária Évora escrito por uma autora polaca “Elzbieta Sieradzinska” que a acompanhava por todos ospalcos nos quais a cantora atuava por esse mundo fora. Visitou várias vezes Cesária em São Vicente e foi, inclusive, ao seu funeral. E o mais curioso é que quem me deu esta notícia foi um amigo português, amante fervoroso da música cabo-verdiana e possuidor de uma coleção de CDs da música do país desde tempos mais antigos. A mágoa que fica prende-se com o facto de não existir nenhum cabo-verdiano com capacidade para escrever uma biografia da nossa diva dos pés descalços, como tão carinhosamente ficou conhecida no mundo inteiro. De qualquer forma, devemos regozijar-nos por existirem estrangeiros que, ao contrário dos cidadãos do país, valorizam aquilo que de melhor se faz em Cabo Verde.
Outra pergunta que fica sem resposta é o porquê de um dos artistas mais versáteis e intemporais da nossa música que é o Sr. Paulino Vieira autor de uma das mais belas músicas escritas e cantadas das ilhas “M’cria Ser Poeta”, ainda não teve qualquer reconhecimento por parte das autoridades competentes. Além do seu valor intrínseco como artista, estamos a falar de alguém que apresentou Cesária Évora aos grandes palcos da música internacional.
Quando se empreende algo de importante em Cabo Verde, normalmente é na música, com a realização de grandes festivais, e as outras expressões artísticas são muitas vezes marginalizadas, relegadas para um plano secundário, o que não faz qualquer sentido, uma vez que a cultura é o conjunto das várias artes e não a valorização de apenas uma. Num país de poucos recursos económicos, mas rico culturalmente, devíamos e podíamos estar num outro patamar de desenvolvimento sociocultural. Até porque, é um facto irrefutável, a cultura gera dinheiro, emprego e proporciona aos nossos jovens outras perspetivas de vida. Se aliássemos a paz reinante no nosso país ao clima apetecível para os amantes do turismo cultural, que é, segundo os especialistas, o segundo setor que mais capital e emprego gera no mundo, quedando-se só atrás do setor tecnológico e à frente da indústria automobilista, não teríamos os problemas sociais que temos hoje por falta de emprego, sobretudo nas faixas etárias mais jovens.
Só seguir o exemplo de França, que é o país mais visitado na Europa por turistas de todo mundo, sendo que 75% desses turistas procura o turismo cultural. Para além de França, temos outros países com a Itália, Espanha e Portugal, que cresceu a um ritmo estonteante nos últimos anos e é hoje considerado um dos grandes destinos turísticos da Europa. Tudo isso se deveu a uma boa política cultural que se baseia em dar a conhecer ao mundo aquilo que nos diferencia dos restantes.
Em Cabo Verde, temos 10 ilhas, 9 delas habitadas, e cada uma é diferente da outra a nível cultural. Será possível encontrar uma maior riqueza do que a representada nestas múltiplas diversidades? O que será necessário será levar a cabo a sua potencialização, e torná-las rentáveis e apetecíveis para a comunidade internacional, o que só se consegue com um trabalho sério e profissional. Temos bastantes intelectuais, estudantes e investigadores que poderiam ser aproveitados para documentarem as nossas várias expressões culturais, como, só para indicar um exemplo, a história do artesanato em Cabo-Verde. Se percorrermos algumas bibliotecas importantes na Europa, América e África, quase não encontramos informação sobre Cabo Verde. Até hoje, ainda me desconcerta a inexistência de um manual de história de arte em Cabo Verde que nos permitisse promover a nossa história, o nosso povo, dando a conhecer ao mundo aquilo que possuímos de melhor. Temos expressões linguísticas que estão a desaparecer rapidamente sem serem documentadas e que, provavelmente, não serão conhecidas pelas gerações vindouras, ou seja, é uma parte da nossa história que vai desaparecendo devido a falhas a graves de promoção e divulgação de quem somos e para onde queremos ir.
Necessitamos urgentemente de uma política educacional virada para a nossa cultura. E isso só é possível, se montarmos uma estratégia clara, enraizada, desde muito cedo, no ensino às crianças do que é a cultura cabo-verdiana, qual a sua influência na construção intelectual do homem cabo-verdiano, e de que modo esta se afirma na contemporaneidade. E para que isso seja possível, urge mudar de paradigma. Temos que estudar de forma profunda e documentar toda a nossa produção artística e todas as expressões culturais produzidas ao longo do tempo em Cabo Verde, o que não é difícil de conseguir, uma vez que pessoas capacitadas para tal não faltam. Com efeito, o que falta são diretrizes consistentes de quem tem poderes decisores, neste caso o Governo, através do Ministério da Cultura. Para que tudo isso se torne realidade, a Cultura e a Educação têm de andar de mãos dadas, ou seja, tornarem-se uma só. E como disse alguém, o único sítio onde o sucesso vem antes do trabalho, é no dicionário.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 710, de 08 de Abril de 2021