“People sovereign and free.”
Jean-Jacques Rousseau
Por: Alexandre Gomes
O povo, soberanamente, falou nas urnas. Foi uma grande jornada cívica, pese embora a pandemia, conseguimos realizar eleições, pelo que, devemo-nos sentir orgulhosos pelo nível de organização e pela forma ordeira e serena como nos comportamos durante o ato eleitoral. As instituições democráticas saíram mais fortes e mais consolidadas deste pleito. Os nossos parabéns ao povo cabo-verdiano, o primeiro e grande vencedor das eleições de 18 de abril. Os 72 lugares que compõem a Assembleia Nacional do qual legitimam o Governo da República, já foram desenhados, pese embora os dados ainda provisórios. Imperou a liberdade e a democracia.
O MpD ganhou as eleições e renovou o mandato. Ganhou-as de forma clara e com maioria absoluta. Com isso, constitucionalmente, legitimou o nobel governo. O povo decidiu, e bem, pela continuidade. Aprovado foi o mandato de 2016-2021 e renovado foi a confiança à plataforma eleitoral a constar no programa de governo para a X legislatura, a ser sufragada pelo parlamento. Felicitamos o partido, seu líder, Ulisses Correia e Silva (UCS), e auguro sucessos na governação, para o bem de Cabo Verde e de todos os seus filhos, nas ilhas e na diáspora.
O PAICV, o grande “perdedor” dessas eleições, é um património da Nação cabo-verdiana. Um partido do arco do poder e um pilar essencial da nossa democracia representativa. Situando-se no espaço da Esquerda democrática e moderna, devia primar por ser um instrumento de transformação social, um Partido plural, de todas as gerações, federador de vontades, gerador de consensos e que promove a intensificação da democracia política. Mas também, o PAICV devia ser uma escola de cidadania, um partido aberto à participação e à dinâmica da sociedade civil, que respeita a diversidade, estimula a criatividade e respeita as minorias, conforme estipulam os Estatutos e a Declaração de Princípios do Partido. Com isso, a democracia cabo-verdiana será reforçada com um Partido como o PAICV que perfilha esses ideais, princípios e valores. Entretanto, assistiu-se a um partido em contramão à sua matriz originária, um partido que revelou de casos ao invés de causas… de críticas maléficas, negativista e segregacionista, sem responsabilidade e sentido de Estado.
A líder, por seu turno, aceitou a derrota, felicitando o adversário e assumiu as consequências. Foi coerente e consequente! Assim funciona em e na democracia. O povo é soberano e quem mais ordena. Respeitou-se a opinião popular. O PAICV tem de tirar as ilações e preparar-se a travessia pelo deserto, construir uma nova liderança, partidária e parlamentar. Liderança essa, que possa revitalizar o partido, convergindo-o interna e externamente a ponto de encontrar militantes e o eleitorado, porque só assim estará em condições de exercer o papel soberano que o povo lhe atribui, a de fiscalizar a ação governativa. A oposição é importante, ainda mais em democracia e num sistema como o nosso. Essa função, implica coesão e liderança. Dois aspetos que o PAICV não demonstrou durante 2016-2021. Não teve liderança à altura e nem tão pouco esteve coeso. É uma questão a resolver a curto e médio prazo. A atual liderança foi chumbada nas urnas. Urge repensar o partido, criar condições e renovar as bases para exercer de forma eficiente a oposição. Cabo Verde precisa do PAICV, como oposição forte, dinâmica e construtiva. Uma oposição que seja capaz de gerar sinergias e trazer propostas credíveis que sirvam não só de alternativa à governação, mas acima de tudo, contribuir para a governação do país. Só consegue governar quem tem ideias não só de fazer, mas sobretudo, em como e saber fazer. Em democracia, a oposição é tão importante quanto o governo. O dinamismo entre o poder e a oposição é o sal da democracia.
Por outro lado, o MpD ganhou as eleições e ganhou-as de forma clara. “Inequívoca”, parafraseando UCS. É o partido da Liberdade e da Democracia. Um partido do povo, para o povo e com o povo. Com exceção do Fogo e da Diáspora, ganhou nos 9 círculos eleitorais, com diferença subismal. Saiu reforçado, enquanto partido e com legitimidade para governar o país nos próximos 5 anos. O seu líder foi avaliado positivamente e renovou o mandato como Primeiro-Ministro. A legislatura anterior foi aprovada, ato contínuo, criou-se um pato social para os próximos 5 anos. Esperamos que venha respeita-lo e cumpri-lo. Entretanto, os tempos e a conjuntura são difíceis, pelo que, os 5 anos advinham-se, complexos e exigentes para Cabo Verde e para o Mundo. A pandemia da COVID-19 e a crise por ela criada estão ainda longe do fim e a provocar efeitos devastadores em termos de perdas de vidas humanas e a nível económico e social, provocando uma recessão económica sem precedentes, a destruição de milhares de empregos e dos rendimentos das famílias e o aprofundamento da pobreza absoluta e extrema e das desigualdades sociais, deixando marcas indeléveis na sociedade e nas pessoas.
O contexto é de enormes riscos e incertezas. Os desafios que se nos deparam, a níveis sanitário, económico e social, vão exigir uma mobilização sem precedentes de todos os cabo-verdianos, no país e na Diáspora, de todas as competências, de todas as lideranças, quer sejam políticas, religiosas, empresariais, sindicais e de outras organizações da sociedade civil, assim como dos nossos Parceiros de Desenvolvimento. Os fatores críticos de sucesso serão, ao nosso ver, a garantia da estabilidade política, económica e social, a promoção do diálogo e a busca incessante de consensos e compromissos sobre questões estruturantes para o nosso devir coletivo. Tempos extraordinariamente difíceis.
A devastação provocada pela crise sanitária é enorme: o PIB cai mais de 14%, a dívida pública global ultrapassa os 150% do PIB, com um deficit e gap orçamental de 10% e 21%, respetivamente, o desemprego ultrapassa os 20%, e as empresas passam por muitas dificuldades, com risco de insolvência iminente. O turismo, motor da economia, está parado e a retoma será lenta e difícil. Verifica-se uma nova vaga da pandemia e a taxa de incidência sobe assustadoramente. A vacinação está muito lenta e segue, ainda, a passos de caracol!
Parece-nos que a governação do país nos próximos 5 anos vai exigir muita inteligência, entrega e grande espírito empreendedor e de inovação ou, como diria o outro, exigirá a capacidade de ir para “além do óbvio e do evidente”. Parece-nos ainda que, nunca como hoje, tornou-se tão imperiosa, a necessidade de cuidarmos da nossa “casa comum”, do bem-comum, dos interesses gerais da coletividade e colocá-los acima de tudo.
Tempos, pois, que exigem inteligência, equilíbrio e muito diálogo. Passado o tempo da competição e do confronto de ideias e propostas, agora é tempo de entendimento e consensos. De trabalho e muito labor…
Esperamos que que todos estejam disponíveis para a discussão e para a busca conjunta de soluções para o país. Todos somos poucos para a grandeza das tarefas que nos esperam. Juntos poderemos construir “Um Cabo Verde no caminho seguro e para todos”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 712, de 22 de Abril de 2021