Por: Arsénio Fermino de Pina*
É um assunto que já abordei algumas vezes e nunca é de mais voltar a ele, acompanhado de uma jornalista de investigação e escritora americana que já ganhou vários prémios pelas suas investigações, acções e escrita, Naomi Klein, respigando informações e sugestões de solução do seu último livro, “O Mundo Em Chamas – Um plano B para o Planeta”, e de outros best sellers dela, cujo conhecimento dei aos meus leitores em artigos publicados. Recentemente, o famoso multimilionário Bill Gates, que é um benemérito da humanidade, financiando pesquisas e apoios médicos e terapêuticos de doenças, sobretudo tropicais, de países pobres, adquiriu um grande lote de terrenos nos EUA, aí instalando peritos e cientistas para o estudo e experimentação de plantas resistentes a secas e pragas, produzindo sementes delas e carne a partir de tecidos musculares; é de opinião que há necessidade de investimentos volumosos em técnicos e cientistas que se dediquem à descoberta de novas tecnologias de diagnóstico, terapêutica e prevenções, antecipando-se a novas pandemias.
Em “A Doutrina do Choque”, Naomi Klein explica como a direita tem sistematicamente usado as crises, reais e exageradas, para promover um programa ideológico brutal, não concebido para resolver os problemas que criaram as crises, mas para enriquecer ainda mais elites ricas. Encontrar novas maneiras de privatizar o que é de todos e de lucrar com os desastres é o que o nosso sistema actual está concebido para fazer na chamada reconstrução ou recuperação. Toda essa crise por que passámos, iniciada na década de 1980, a época de Reagan e Margaret Tatcher, deu como resultado uma espécie de cruzada para disseminar o capitalismo desregulado por todo o mundo. Há um grande número de poderosos com muitos interesses a quem agradam as coisas tal como estão, entre eles os grupos económicos dos combustíveis fósseis, que subsidiam, há décadas, uma campanha de desinformação, mentiras e falsas verdades sobre a realidade do aquecimento global e o efeito de estufa.
Creio que já ninguém duvida de que estamos provocando danos terríveis à Natureza, e poderemos provocar a sexta grande extinção em massa na história da Terra. Vanutu, no Pacífico, e as ilhas Salomão já perderam cinco pequenas ilhas com a subida do nível das águas do mar, outras seis correm o risco de desaparecerem para sempre. Os nossos 2 ilhéus da Brava, locais privilegiados de pesca dos pescadores da Furna, correm o mesmo risco, bem como muitas das nossas belas praias e algumas ribeiras.
Os EUA são responsáveis por 15% do excesso de carbono na atmosfera e a China, de 30%. Adicionada a esta a da União Europeia, atingimos 55%, segundo declarou recentemente o secretário de Estado americano John Kerry. As forças armadas americanas são o maior consumidor institucional de petróleo do mundo.
Segundo o Painel Intergovernamental Sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC), a autoridade máxima mundial em climatologia, um aumento de temperatura de 1,5 graus Celsius é a menor hipótese que a humanidade tem para evitar um descalabro verdadeiramente catastrófico. A Organização Meteorológica Mundial das NU afirma que estamos no caminho de um aumento de 3 a 5º C até ao fim do milénio, se medidas drásticas não forem tomadas, o que seria uma catástrofe. A primeira reunião intergovernamental para discutir a crise do clima e a necessidade de as nações industriais baixarem as suas emissões poluentes realizou-se em 1988, no Canadá, portanto, há 33 anos. Reuniram-se ano após ano para falar sobre a redução das emissões e estas subiram mais de 40%, enquanto iam falando. A Alemanha e a França baniram o fracturamento hidráulico, mas os EUA de Trump e a Rússia de Putin programam fazer furos profundos no Ártico.
A Alemanha, Marrocos e a China têm feito investimentos suficientemente substanciais no desenvolvimento das energias renováveis. Alguns países proibiram ou adiaram o chamado fracturamento hidráulico para encontrar gás. A Nova Zelândia anunciou deixar de emitir autorização para perfurações offshore e a Noruega anunciou proibir a venda de automóveis com motores a combustão a partir de 2025, quando os Estados Unidos de Trump abandonaram o Acordo de Paris.
A imprudência e ganância da BP, que a levou a fazer furos no fundo do Golfo do México, teve como consequência a explosão do poço, resolvido somente três meses depois com gravíssimas consequências para a região, tanto ao nível do mar como na costa, anulando praticamente a pesca na zona e levando à morte de animais, aves e destruição de estruturas comerciais e industriais ribeirinhas.
As tempestades tropicais, ciclones, inundações por excesso de chuva alternados de períodos de seca que temos actualmente com tanta frequência não são desastres naturais, mas consequências do aquecimento global, do efeito de estufa; os oceanos estão mais quentes, as marés mais altas, os glaciares vão-se derretendo, provocando avalanches com destruições de barragens, casas e terrenos agrícolas, e as correntes marítimas a mudarem de sentido motivando alterações climáticas devastadoras, como as que conhecemos em Moçambique, Índia e Caraíbas.
As alterações climáticas exigem que consumemos menos, para que outros possam ter o suficiente para viver. No passado recente, éramos igualmente felizes a consumir significativamente menos. Um dos problemas é o papel excessivo que o consumo acabou por desempenhar na nossa era. As pessoas, dopadas pela propaganda intensiva do consumismo, passaram a utilizar muito mais uma variedade de géneros atraentes, mas de pouca duração, porque são feitos para durar pouco tempo e deitar fora para comprar outro. Já ninguém manda pôr uma meia-sola, cerzir um par de calças ou virar um casaco. Deita-se fora e compra-se um novo. Por isso é que há tanto lixo e desperdício. Quase tudo é descartável. Até as peças de determinadas máquinas e electrodomésticos, que eram metálicas, passaram a ser de plástico, para durarem pouco tempo.
Estão a esgotar-se as maneiras baratas e fáceis de obter combustíveis fósseis, razão por que assistimos ao aumento de fracturamento hidráulico (o tal petróleo e gás de xisto), de perfurações em águas profundas (como a da BP no Golfo do México, que resultou num grande desastre ambiental, e pensa-se em fazer perfurações no Ártico) e de extracção de areia de alcatrão e oleodutos do tipo Krystone XL que levariam betume das areias de alcatrão de Alberta para a costa do Golfo do México. Por mais que digam o contrário, não existe nenhuma maneira limpa, segura e não tóxica de gerir uma economia alimentada pelos combustíveis fósseis. Nunca existiu e as soluções apontadas são ainda piores ou muito arriscadas.
Os impactos devastadores da economia de mercado sobre a manufactura, o comércio local e a agricultura são bem conhecidos. E os produtos baratos que são produzidos – feitos para usar e deitar fora (produtos descartáveis) mas nunca reparados – estão a consumir uma enorme gama de outros recursos não renováveis, ao mesmo tempo que produzem muito mais desperdícios do que os que podem ser absorvidos ou reciclados com segurança.
As últimas três décadas de comércio livre com desregulação e privatização não foram só um dos resultados do desejo de pessoas gananciosas que querem mais lucros de grandes empresas. Foram também uma pressão intensa para encontrar novas vias de rápido crescimento económico. Um dos argumentos do crescimento contínuo é haver mais riqueza para repartir, o que é uma grande aldrabice, porque o que tem aumentado também é a desigualdade: uns poucos muitíssimo ricos e uma grande maioria de pobres. Quatro décadas de políticas neoliberais de privatização, desregulação, comércio livre e austeridade levaram à poluição da terra, do ar e da água e à desregulação da esfera financeira.
Com a retirada dos EUA de Trump do Acordo de Paris investe-se na tecnologia de obscurecer a luz do Sol com químicos lançados na atmosfera para diminuir o efeito de estufa (a chamada geo-engenharia), o que iria ter consequências catastróficas em África e Ásia, além do facto de a diminuição da intensidade da luz solar ir afectar o desenvolvimento de plantas e a produção de energia dos painéis solares.
À semelhança do New Deal de Franklin Roosevelt, dever-se-ia adoptar um New Deal Verde. Foi o New Deal de Roosevelt que respondeu à desgraça e colapso da Grande Depressão com um número de medidas políticas de investimentos públicos, da introdução da segurança social, a electrificação de regiões rurais, à vaga de construção de habitações a baixo custo nas cidades, à plantação de mais de dois mil milhões de árvores e ao lançamento de protecção dos solos em regiões degradadas.
Com a eleição recente de Joe Biden há esperanças na aplicação do Programa Verde, até porque o Partido Democrático passou a ter maioria nas duas câmaras do país (C. dos Representantes e do Senado) e novas exigências da ala socialista do Partido relativas aos cuidados de saúde universais, de infantários e educação superior grátis.
O Plano Marshall na Alemanha não foi aplicado à moda do Far West de Reagan, mas num modelo social democrático com apoios às indústrias locais, sindicatos fortes e um estado providência robusto. Tal como no caso do New Deal, a intenção era construir uma economia de mercado com um número suficiente de elementos socialistas para retirar a maior parte dos atractivos a uma abordagem mais revolucionária que tendesse para o comunismo, como aconteceu com o sistema da Alemanha Democrática de Leste, que nada tinha de democrática e veio, mais tarde, após grande sofrimento do seu povo, a cair juntamente com o da URSS. Houve críticas, da elite capitalista americana, ao plano de Roosevelt considerado comunismo encapotado, por se sentir prejudicada nos seus interesses egoístas ilegítimos. Ela movimentou-se, mas sem sucesso, no sentido de derrubar Roosevelt.
O New Deal Verde, para ser credível, necessita de um plano concreto para garantir que os salários de todos os bons postos de trabalho verde que criará não serão de imediato aproveitados para estilos de vida consumistas que façam aumentar as emissões de carbono – um cenário em que todas as pessoas têm bons empregos e muito rendimento extra para gastar em porcarias descartáveis importadas da China e destinadas a aterros sanitários. Mas, para que isso aconteça, é absolutamente imprescindível um movimento de massas do tipo de manifestações de rua, greves, bloqueios de oleodutos pelas populações afectadas, como acontece com os índios do Canadá e EUA e outras do género, dentro de uma visão holística de uma transformação social e económica. E deverá ser assim porque as grandes empresas multinacionais tratam os trabalhadores, depois de os explorarem, como descartáveis; quando decidem fechar as suas empresas, transferindo-as para paragens de mais lucro, condenam-nos à miséria. Estão-se nas tintas pelo dever de reparação com os outros que os enriqueceram com o seu suor; declaram, por vezes, falência, e partem de férias para as Caraíbas ou Dubai, sem indemnizarem os trabalhadores que ficam em maus lençóis. Tivemos exemplos disso em S. Vicente, quando algumas empresas se instalaram na zona industrial do Lazareto, beneficiando de largas regalias e isenções de impostos durante anos, e, ao cabo desse tempo, levantaram ferro, deixando as trabalhadoras no desemprego sem nenhuma indemnização.
Mas onde ir buscar dinheiro para esse New Deal Verde? Aplicando impostos ao carbono e à especulação financeira. Significa ir buscar dinheiro onde existe em abundância, aumentando a carga fiscal dos grandes grupos económicos e dos milionários, portanto o oposto do que fizeram Reagan, Trump, Bolsonário e Macron, reduzir os orçamentos militares desmesurados e eliminar os subsídios absurdos à indústria dos combustíveis (20 mil milhões de dólares anualmente somente nos Estados Unidos) e das agroindústrias. As cinco principais empresas petrolíferas tiveram 900 mil milhões de dólares de lucro na última década. A Exxon Mobil, por exemplo, consegue obter 10 mil milhões de dólares de lucro num só semestre! Embora se tenham comprometido a canalizar fundos para as energias renováveis dos seus lucros, só 4% destes foram canalizados para empreendimentos de energias renováveis em 2008. Em vez disso, continuam a despejar os seus lucros nos bolsos dos accionistas, em salários obscenos dos seus directores, em novas tecnologias fósseis ainda mais poluentes e perigosas e para pagar grupos de pressão de desinformação. “Quem polui, paga”, devia ser norma de rigor. Porém, como os accionistas e proprietários das companhias petrolíferas acumulam cargos no topo da governação estatal ou influenciam esta através de lóbbys, não é fácil fazer vingar a justiça em benefício de toda a população. Mas há que os desmascarar e obrigar a contribuir para o bem-estar geral das populações, e isso pode o Estado fazer, embora poucas vezes o faça. Essas empresas multinacionais e o próprio Estado devem ouvir e respeitar os interesses dos indígenas e residentes locais para evitarmos desastres, desperdícios de dinheiro e asneiras como, por exemplo, a da Barragem da Fajã, em S. Nicolau. Eu próprio chamei a atenção para o conhecimento das pessoas da região que chamaram a atenção dos técnicos que a zona onde se pretendia construir a barragem, a água que aí se colectava desaparecia da noite para o dia, o que não foi tido em conta, vindo a confirmar-se o que dizia a população da região.
O tempo urge, especialmente no que diz respeito às alterações climáticas. Porquê crescer continuamente se podemos viver confortavelmente com crescimento zero? Para que a humanidade ponha seriamente a saúde planetária à frente dos lucros, há que combater o objectivo de crescimento económico permanente e contínuo de lucros.
Em Cabo Verde, ilhas banhadas pelo Sol durante todo o ano, açoitadas pelo vento e rodeadas por ondas, há três elementos que poderão fornecer energia barata e limpa suficiente para dar e vender, o que ainda não nos empenhámos, decididamente, a aproveitar, até porque os painéis solares e os transformadores eólicos baixaram imensamente de custo. Outrossim, além de contribuirmos para a diminuição da poluição atmosférica, do aquecimento global, do controlo da subida do nível da água do mar e de outros malefícios, teríamos uma energia limpa, muito mais económica. E, talvez com isso, pelo menos em S. Vicente, a Electra fosse mais eficaz e célere a resolver os problemas dos seus clientes, evitando que eu esteja 4 meses sem água em casa, não obstante os meus protestos e continuar a pagar a água que não consumi. Há negligências realmente incríveis!…
Parede, Fevereiro de 2021
*(Pediatra e sócio honorário da Adeco)
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 704, de 25 de Fevereiro de 2021)