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Política

Legislativas 2021: Qual é o poder das redes sociais na decisão do voto?

Em Cabo Verde, cerca de 280 mil pessoas têm contas no Facebook, 86 mil no Instagram, 60 mil no Linkedin e seis mil no Twitter. Os actores políticos estão atentos a esses indicadores e a maioria já aposta na comunicação digital, especialmente em período eleitoral. Sendo um fenómeno novo e que veio para ficar, até que ponto as eleições passam, hoje em dia, pelas redes sociais?

Acomunicação digital é um fenómeno mundial que revolucionou o marketing político, inclusive em Cabo Verde.

Hoje, aos comícios, outdoors e horários nas televisões, se junta uma vasta gama de novas ferramentas, como redes sociais, websites e newsletters, que permitem ao actor político comunicar-se com uma massa heterogénea e em vários pontos do país e do mundo, em simultâneo.

A covid-19 veio reforçar essa necessidade e empurrar os candidatos a novos meios para atingir o eleitorado.
Marco Silva, especialista em Engenharia de Computação e Marketing Digital, traça o seguinte quadro.

Marco Silva

“Os partidos políticos já têm a clara noção da importância de uma presença activa, diria mesmo constante, nas redes sociais, enquanto veículos importantes na disseminação de mensagens para audiências heterogéneas, de faixas etárias diferentes, com o intuito de alargar as bases de apoio, influenciar, formar opinião e converter eleitores indecisos em votos”.

Contudo, o que ainda muito se vê, segundo este cidadão e observador, é a transferência da comunicação tradicional para o meio digital. É bom, é mau?

Estratégias dos partidos

“O que se constata nas redes sociais é que os partidos não têm ainda uma estratégia consistente e delineada”, responde.

“Muitas vezes, limitam-se a trazer linguagens e posturas tradicionais para o digital, quando as redes sociais são plataformas com dinâmicas, linguagens e comportamentos próprios”.

Na produção de conteúdos, segundo este especialista, nota-se um foco no Content Centric, ou seja, os partidos criam conteúdos, procuram uma audiência que possa interessar-se por esse conteúdo, quando, na verdade, o foco deve ser Audience Centric, que é identificar uma audiência e oferecer-lhes o que procuram ouvir e respostas aos seus anseios.

“Usando esta abordagem/metodologia durante algum tempo, de forma consistente e com qualidade, pode-se conseguir estabelecer a relação de confiança que se pretende com o eleitorado. Porque uma coisa é se comunicar com um militante ou simpatizante do Partido A, B ou C, de quem, à partida, já se tem o voto garantido, outra, completamente diferente, é conseguir/garantir o apoio de um indeciso. E, em Cabo Verde, são os indecisos, ou os flutuantes, que decidem as eleições”, considera.

Poder das redes sociais

Apesar de todo o caminho a percorrer para se tirar o melhor proveito das ferramentas dgitais, Marco Silva denota que “já há uma consciência clara do poder das redes sociais” e que coisas interessantes já vêm sendo feitas, embora ainda não se explore todo o seu potencial.

Isto porque, segundo aponta, a “abordagem ainda é não profissional ou semi-profissional, tanto por falta de recursos humanos especializados, como também por escassez de meios financeiros”.

Outro factor, aponta também, é que “muitas vezes, os profissionais que acompanham esses políticos/partidos são, na sua maioria, assessores de imprensa, muitos deles formados em jornalismo. Portanto, para esses profissionais, há também o desafio de adaptação a essa nova ‘imposição’ da comunicação digital”.

Vantagens e benefícios

Uma das vantagens de utilizar o digital para a campanha eleitoral está ligada aos recursos financeiros. Como afirma, os custos de uma campanha digital são inferiores aos de uma campanha tradicional.

“Hoje em dia, consegue-se, por exemplo, fazer uma ‘live’ para centenas ou milhares de pessoas, com um simples telemóvel, a partir de casa, sentado no sofá.

Um comício tem os seus custos e envolve uma logística mais pesada. No digital, tem-se também a vantagem de se conseguir mensurar os resultados de qualquer publicação ou transmissão e redefinir uma estratégia ou um posicionamento em função desses resultados”.

É ainda possível segmentar o público-alvo de acordo com os seus objetivos e interesses ou mensagem que se queira passar, para além de ter uma audiência mais participativa, diferente dos comícios onde a comunicação é quase unilateral.

“Gera-se uma audiência, a qualquer hora do dia, e permite um engajamento e reações, que podem ser mais tímidos no contacto porta-a-porta, porque nas redes sociais, todos temos vez e voz e sentimo-nos mais ‘destemidos’, opinamos mais livremente”,especifica.

Aproximação aos eleitores

“A forma como políticos e partidos lidam com o público ou com os eleitores, mais especificamente com os jovens, precisa ser reinventada, aproximando-os das pessoas e estabelecendo uma relação de confiança”, aponta Marco Silva, como passo fundamental para atingir um público diversificado e provocar o
engajamento, especialmente dos jovens.

“Hoje temos jovens mais conscientes e participativos, mas é preciso saber cativar a sua atenção e interesse. E aqui faço uma crítica a todos os políticos cabo-verdianos, em especial aos mais jovens. Não há um único político no país que tenha uma estratégia de marketing político devidamente delineada, a longo prazo, estruturada e traduzida em conteúdo”, alerta.

Segundo diz este entrevistado do A NAÇÃO, ter uma estratégia de marketing passa não só pela conceptualização, concepção e materialização dessa estratégia, mas também pela criação de uma marca política, com uma identidade visual própria.

“À parte do jogo político, ninguém se interessa em construir uma comunidade, com conteúdo que realmente interesse, que nos desafie a questionar construtivamente, sem partidarismo excessivo, sem instigar a polarização e sem estar atrelado ao calendário das eleições e ao marketing meramente eleitoral”, observa.

Ausência de debates

E a crítica se estende à ausência de discussões à volta de problemas reais.
“Fora do ciclo das eleições, quantos políticos é que, por exemplo, estabelecem como plataforma a questão do desenvolvimento sustentável, da defesa da biodiversidade, das causas LGBTI, da violência e exploração sexual infantil”, questiona.

São questões, segundo diz, potencialmente polémicas, mas que precisam ser debatidas porque a sua resolução depende do engajamento de todos.

“Fora dessa agenda político-partidária, a impressão com que ficamos é que os políticos não têm agendas próprias. E, sendo assim, da mesma forma que fica difícil dialogar com a população, mais especificamente com os jovens, fica também difícil desenhar qualquer estratégia consistente de marketing digital com esse fim, porque não há uma mensagem coerente a transmitir”, explica.

Para Marco Silva, estar nas redes sociais pode facilitar o contacto com os mais jovens, mas apenas uma plataforma política verdadeiramente honesta na sua intenção de solucionar os problemas da sociedade poderá garantir o interesse dos jovens nas mensagens partilhadas e o seu envolvimento cívico.

Onde se gasta mais dinheiro?

A produção audiovisual é apontada como o item mais caro dentro de uma estratégia digital ou de conteúdo. A produção de vídeos, não obstante a atractividade e importância, quando é feita com qualidade, ainda é excessivamente cara.

O seu custo faz com que nem todos os candidatos/partidos tenham recursos para apostar nesse modelo de comunicação e suportar uma equipa de trabalho a tempo inteiro. Este pode ser um indicador de quem tenha mais recursos para investir.

Entretanto, diz Marco Silva, através das redes sociais também se pode ver quem tem mais sensibilidade para investir no digital e isso nem sempre está ligado a recursos financeiros, quando se pode fazer coisas “muito interessantes” sem ter o poderio financeiro dos candidatos apoiados pelos principais partidos.

Mecanismos de promoção

Aumentar a visibilidade de publicações através de mecanismos de promoção e impulsionamento das redes sociais tem sido uma das “armas” utilizadas para se alcançar maior número de seguidores. Trata-se de um mecanismo pago que leva o seu conteúdo a um público mais vasto de utilizadores da rede social em questão.

Isso acontece porque há um limite de alcance para conteúdos orgânicos. Ou seja, numa página com 10
mil seguidores, o alcance orgânico é, em média, de cerca de 10% desses seguidores, isto é, o conteúdo é visualizado, em média, por apenas mil seguidores. Já numa publicação promovida esse número aumenta
consoante o valor do impulsionamento.

Para além deste método, existe a “compra de seguidores”. Um caminho desaconselhado por este especialista, já que pode ser bastante enganador.

“Os seguidores (comprados) podem ser perfis falsos, bots ou inactivos e não geram o engajamento que precisa/pretende para a sua marca, além de prejudicar a sua reputação”, explica.

Conseguir seguidores, diz Marco Silva, requer “estratégia, trabalho, qualidade, consistência e dinâmica”.

PAICV e MpD dominam as redes

Com a campanha centrada nos respectivos líderes, dos seis partidos concorrentes às eleições legislativas
de 18 de Abril, a metade (3) tem páginas oficiais criadas especialmente para o efeito no Facebook. Ulisses Correia e Silva (MpD), com 32.857 seguidores; Janira Hopffer Almada (PAICV), com 54.341 e António Monteiro (UCID), com 8.650 seguidores.

Ulisses Correia e Silva e Janira Hopffer Almada, não por acaso os líderes dos maiores partidos do país e que mais recursos dispõem, são os que aparentam estar mais avançados nesta nova forma de fazer política e com
uma postura mais agressiva na caça de eleitores nas plataformas digitais. Eles estão presentes também no aplicativo vizinho, o Instagram, com 2.370 e 2.351 seguidores, respectivamente.

O PP, liderado por Amândio Barbosa Vicente, apesar de alimentar duas páginas no Facebook, uma com 2.757
e outra com 813 seguidores, não tem uma página específica, direcionada à campanha para as legislativas
de 2021 e não fomenta uma dinâmica de interação regular na referida página, assim como acontece com os
adversários acima mencionados.

O PTS também utiliza a própria página para o efeito, dando destaque aos diferentes cabeças de lista nos
círculos eleitorais em que concorre. A página junta 569 seguidores e agrega publicações das páginas dos diferentes candidatos.

fim, o PSD, do veterano João Além, tem uma postura muito mais modesta e opta pela tradicional campanha de contacto porta-a-porta, segundo indicou o seu líder, em entrevista à agência cabo-verdiana de notícias, a 25 de Março passado.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 709, de 01 de Abril de 2021)

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