Começa uma certa onda de reclamações na Imprensa inglesa e do próprio governo britânico com a segurança dos activos dos seus pensionistas e outros investidores em Cabo Verde. Em causa estão os investimentos feitos no The Resort Group, detido por Robert Anthony Jarrett. Victor Fidalgo, outrora ligado ao grupo, fala em indícios de “gestão pouco ortodoxa”. O visado, através do seu advogado Luís Borges Rodrigues, responde que não há nada de concreto contra o seu cliente.
O The Resort Group PLc (TRG) está, ao que tudo indica, numa situação delicada em termos financeiros. Por causa disso começa a transpirar na Imprensa britânica sinais de descontentamento de centenas de investidores que colocaram as suas poupanças nesse grupo com forte implantação na ilha do Sal, Cabo Verde.
O Financial Ombudsman Service, citado pelo site Evening Standard, diz ter recebido cerca de 400 reclamações contra apenas uma das firmas que gere o fundo de pensão, através do qual os investidores colocaram as suas poupanças no TRG.
A maioria dessas reclamações está a ser feita contra uma empresa chamada Rowanmoor, que forneceu o Self Invested Personal Pensions (SIPPs), onde foram investidos o dinheiro dos pensionistas.
Até agora, o Financial Services Compensation Scheme, que assume responsabilidade de ressarcir os investidores por maus conselhos feitos por empresas regulamentadas que faliram, recebeu 453 reivindicações relacionadas com o TRG. E, na sequência disso, já se viu obrigado a pagar 5,9 milhões de libras em reclamações contra consultores que recomendaram aos clientes que investissem no TRG e posteriormente faliram.
Contudo, uma investigação da Autoridade de Conduta Financeira, lançada sobre as vendas dos investimentos do TRG em 2017, ainda está em andamento. O Evening Standard informa que, apesar do número crescente de reclamações, o site do TRG continua à procura de novos investidores com promoções direccionadas para pessoas com um mínimo de 20 mil libras, prometendo “retornos de até 18% em 3 anos”, bem como cinco semanas por ano para uso pessoal.
Crise financeira
A situação de fraco retorno dos investimentos feitos por pensionistas do Reino Unido, conforme uma fonte bem posicionada, advém do facto de o TRG estar a passar por uma grave crise financeira criada artificialmente.
Alegadamente, o modelo de funcionamento do TRG consistia em comprar terrenos, conceber projectos turísticos e imobiliários, fazer aprovar os respectivos planos e após obter a licença de construção e certos acordos com o Governo de Cabo Verde, vender as unidades de alojamento (quartos de hotel, apartamentos hoteleiros e vivendas) a pequenos aforradores, fundos de pensões e outros investidores.
Com esse mecanismo, o TRG conseguiu construir três empreendimentos que consubstanciam cinco resorts na ilha do Sal: Meliã Tortuga Beach Resort, Meliã Dunas, Sol Dunas, Llana Beach Hotel e TUI Sensimar. Os três empreendimentos perfazem 2.044 unidades de alojamento (quartos, apartamentos e vivendas) com 5.564 camas. Ou seja, 16% dos quartos e 26% das camas existentes em Cabo Verde, de acordo com o senso do INE de 2018.
Se tomarmos apenas os hotéis 4/5 estrelas, o peso do TRG na oferta turística de Cabo Verde atinge 31%, superado apenas pela RIU que tem 3.497 quartos com 6.994 camas, representando 33% do total das camas e 39%, na gama dos hotéis de 4/5 estrelas.
Todo este desenvolvimento teve lugar entre 2007 e 2016. “Nada mais fulgurante”, admite a nossa fonte.
No entanto, ao mesmo tempo, projectos como Vila Verde Resort não tiveram o sucesso esperado nem tão-pouco o impacto (emprego e contribuição no PIB) previsto.
A grande parte dos projectos anunciados em 2007-2008 “foram autênticos fiascos ameaçando tornar a ilha do Sal parcialmente, num cemitério de projectos falhados ou meras intenções: Europa Park, em plena Santa Maria, Sal Vista, Cabonuba e Cabomaxo na Avenida dos Hotéis, Paradise Beach, Cotton Bay, Calheta Bay, Murdera Beach, Vila Verde Resorts II, assim como Porto Murdera, na ZDTI de Murdera e Algodoeiro”.
O mérito do TRG
“Assim, perante todo esse falhanço, há que reconhecer o mérito do The Resort Group PLc que, na altura, soube seguir uma estratégia adequada e eficaz que culminou com a inauguração dos seus três empreendimentos e respectiva entrada em exploração hoteleira, que dão um contributo importante (cerca de 6%), na formação do PIB de Cabo Verde, na criação de emprego, adquirindo, deste modo, um peso e importância nacionais”, advoga a nossa fonte.
Talvez “envaidecido” por tamanho sucesso, o TRG decidiu expandir-se para São Vicente (Laginha), Santiago (Hilton Praia) e Boa Vista (White Sands e mais cinco intenções de resorts, em Santa Mónica), “reduzindo certas cautelas por que se tinha guiado até então”.
Laginha, em S. Vicente, por exemplo, não passou de intenções. Hilton Praia – o terreno, ao lado da residência do embaixador do Brasil, foi comprado, construiu-se como contrapartida o novo espaço para a Escola de Negócios e Governação (ENG) e o projecto até foi objecto de lançamento da primeira pedra em 2015.
Na Boa Vista, em Santa Mónica, iniciado em 2015, o White Sands também foi interrompido desde 2017/2018. Apesar de o TRG ter vendido cerca de 500 quartos das 835, por um total de 122 milhões de euros, “não terá investido mais que 35-38 milhões de euros”.
“Tarde ou cedo, um grande escândalo, com acusações de burla vai deflagrar-se tanto no Reino Unido como em Cabo Verde”, prevê o nosso interlocutor.
“Os restantes resorts previstos (5) para Santa Mónica, nem sequer foram objecto de projecto e respectiva aprovação. E claro que já não o serão, cabendo à SDTIBM encontrar outros investidores para a zona”, realça.
Investimentos na ilha do Sal
De acordo com a fonte do A NAÇÃO, os investimentos feitos não pertencem realmente ao The Resort Group PLc. “Este detém apenas as partes comuns (não vendíveis): cozinha, armazéns e restaurantes, Spa, piscinas e outras áreas de entretenimento. Portanto, no cômputo geral, o TRG deve ser dono de apenas 8-10% dos activos que compõem os empreendimentos”.
Na engenharia montada, conforme o nosso interlocutor, funcionando como uma plataforma de investimentos, o TRG deve dar aos seus investidores (e são milhares), uma renda que deve corresponder a 50% dos lucros resultantes da gestão dos resorts. “Ora, aqui começa o problema”, afirma.
“Contrariamente aos demais grandes hotéis em Cabo Verde que dão lucros aceitáveis aos seus donos/investidores, o TRG, a partir de 2016, começou a queixar-se de falta de liquidez. Situação artificialmente criada”, enfatiza.
Assim, os investidores ou deixaram de receber o retorno prometido ou este passou a ser um montante tão insignificante que desencoraja continuar a investir no mesmo modelo. Essa é uma das razões da estagnação das vendas no White Sands (Boa Vista) que neste momento está à beira do abandono.
Actualmente, como referido antes, começam a surgir na imprensa britânica um certo movimento de reclamação e o próprio governo Britânico já terá manifestado preocupações com a segurança dos activos dos seus pensionistas e outros investidores ingleses em Cabo Verde.
Obviamente, o impacto disso tudo em Cabo Verde não será coisa pouca, tendo em conta a dimensão que o TRG conseguiu no Sal e noutras ilhas.
(Para ler a reportagem na íntegra, consulte a edição 701, de 4 de Fevereiro de 2020, do Jornal A NAÇÃO)