Neves compara São Vicente e Ilha Terceira a “corpos celestes no universo (Trans)Atlântico”
Filho de pais cabo-verdianos, nasceu em Lisboa – Portugal -, fez-se Homem em São Vicente e estudou Engenharia Electrotécnica em Coimbra. António Neves está na Região Autónomas dos Açores – a Macaronésia mais a Norte! – há mais de uma década, onde é responsável pelos Serviços de Instalações e Equipamentos do Hospital de Santo Espírito. Compara as Ilhas Terceira e de São Vicente, “no sentido pleno, e físico, a corpos celestes neste universo (Trans)Atlântico”.
Nascido em Lisboa – Cidade-Capital de Portugal -, filho de pais cabo-verdianos, António Neves é engenheiro de profissão, poeta e humanista convicto, assumindo-se como um eterno aprendiz, no sentido em que a vida é, a cada dia, uma oportunidade de aprendizagem.
“Se tivesse que fazer um auto-retrato, faria o esboço de um Homem que se interroga no presente, porque não se inibe de realizar amanhã, nem renega a possibilidade de sopesar o dia de ontem”, avança ao A NAÇÃO, acrescentando que, eventualmente, o que melhor lhe poderá definir são os seus sentimentos, e inquietudes, em suma, os seus pensamentos.
Neves “não escolheu viver nos Açores”, mas aconteceu que, aquelas ilhas, em particular a Terceira, terão acolhido o ilhéu que ele é.
“A primeira vez que visitei os Açores foi há mais de duas décadas, e, se não houvesse, logo à primeira, uma especial empatia, nunca teria posto por hipótese, dois anos depois, vir viver na Ilha Terceira e, por opção, plantar árvores aqui, no lugar onde eduquei e vi crescer os meus filhos”, justifica.
Primeiro, Coimbra; depois, Açores
O engenheiro-poeta-escritor, deixou Cabo Verde, mais concretamente, Mindelo, nas vésperas de completar os seus 18 anos, a caminho de Coimbra – Portugal -, onde fez os seus estudos universitários, e onde se iniciou na vida profissional.
“Tenho por Coimbra, uma ligação afectiva, com uma vivência de mais de 15 anos, sendo a Cidade onde nasceram os meus filhos. Quando cheguei aos Açores, depois de década e meia fora de Cabo Verde, ter o pleno abraço do Atlântico, permitiu-me reencontrar a minha vocação islenha”, salienta, remarcando a existência de um tempo, espaço e lugar, que circunscreve e delimita o Homem, “lembrando a nossa (in)finitude ou pequenez, e, aqui, há o reencontro de uma incontornável similitude”.
Similitude
Neves está prestes “a cumprir a maturidade duma vivência açoriana”, coincidentemente, igual aos anos da concepção dos alicerces da sua cabo-verdianidade, com todos os defeitos e virtudes.
“São Vicente e Terceira são-no, no sentido pleno, e físico, corpos celestes neste universo (Trans)Atlântico, e demarcam, estruturalmente (na cultura, vivência e idiossincrasia), a cosmografia de ilha”, argumenta o interlocutor do A NAÇÃO.
Neves acompanha, “de perto”, a realidade da engenharia cabo-verdiana, visita as nossas ilhas com assiduidade, mas, infelizmente, nunca exerceu em Cabo Verde.
Nesse aspecto, a sua experiência profissional (e “know-how”!) dá-lhe mais autoridade e propriedade do exercício da engenharia em Portugal Continental e nos Açores. Entretanto, dispõe de “vários amigos, que exercem engenharia em Cabo Verde”, sendo, alguns deles, contemporâneos e que foram, nomeadamente, colegas em Coimbra, com os quais troca impressões, naturalmente, daquilo que difere ou aproxima uma realidade da outra.
“No essencial, pautamo-nos, tanto nos Açores como em Cabo Verde, pelo rigor científico e tecnológico, e pelos mesmos princípios de competência, e dedicação. A escola e a pragmática da engenharia, servem de alavanca de desenvolvimento e instrumento de gestão, em qualquer latitude”, realça.
“A vida vai ter de ser reinventada”
O mercado reflecte as crises. É, talvez, um dos seus barómetros, que permite, inclusive medir, e, em muitos casos, prever, antecipadamente, os bons e os maus momentos sócio-económicos.
“As economias mais frágeis tendem a absorver as crises, por efeito de choque e demoram, naturalmente, mais tempo em superá-las. Neste momento, o Mundo está a ser confrontado com uma crise sanitária pandémica, que, para já, não tem um fim à vista. Todos os continentes estão afectados”, realça, notando estar em risco, “de forma muito explicita”, o maior e inestimável bem: a vida humana!
Na leitura de neves, “a vivência e as inter-acções quotidianas assumiram configurações, necessariamente, inéditas”, com o comércio, no seu formato tradicional, a fechar, literalmente, as portas, com o desemprego a aumentar drasticamente, pelo que, os prejuízos só se poderão ponderar, “a posteriori”.
E confessa: “É com imensa apreensão que olhamos para o panorama global, que as consequências sociais e económicas desta crise serão, no mínimo, preocupantes”, ajuntando que a vida vai ter de ser reinventada.
Convivência com comunidade cabo-verdiana
Neves não só convive, como, naturalmente, está atento à comunidade cabo-verdiana (e às outras comunidades imigrantes), tanto nos Açores como em Portugal Continental.
“É um convívio salutar aquela que a comunidade cabo-verdiana tem aqui, em diversas ilhas, em particular naquelas onde há já muita gente de segunda geração, quais sejam: São Miguel, Pico e Terceira”, garante, notando que os Açores, também, dispõe de “uma “Diáspora expressiva, com comunidades que na totalidade ultrapassam a população residente nas ilhas”.
Daí que, como nisso, também, “é análogo a Cabo-Verde”, há, ainda que de forma empírica, uma consciência do que é ser-se estrangeiro em terras de outrém.
“Os açorianos sabem-no bem, e o espírito de solidariedade, de inter-acção e partilha ultrapassa o muito que há ainda por fazer (mesmo em termos potenciais) entre as instituições açorianas e cabo-verdianas”, salienta, destacando que a dinâmica migratória pressupõe a procura de oportunidades melhores, a par da necessária inclusão (ou incorporação!) no país de acolhimento.
A comunidade cabo-verdiana nos Açores dispõe de particularidades, comparativamente com a residente em Portugal Continental.
“Ela é bem sucedida, sem, no entanto, deixarmos de identificar as suas fragilidades”, avança Neves, notando, contudo, a “vulnerabilidade” da segunda geração, a começar por crises identitárias de se sentirem excluídos, e de serem, institucionalmente, considerados estrangeiros no país que os viu nascer e/ou crescer.
Em maré de Covid-19
Neves exerce Engenharia, na Área da Saúde, mais exactamente, Engenharia Hospitalar. Faz parte dos “Homens” dos Serviços de Instalações e Equipamentos (SIE’s) dos Hospitais do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Melhor dito: considerando a Região Autónoma dos Açores, o Sistema Regional de Saúde (SRS).
“Quando se fala da saúde e das unidades hospitalares, identificam-se os profissionais da saúde e os meios necessários de instalações edificadas e de equipamentos, para que se possam prestar os devidos cuidados de saúde à comunidade. Na maioria das vezes, não se mencionam os técnicos dos SIE’s – que não são da saúde (!) -, mas que garantem a boa gestão, conservação, funcionalidade e fiabilidade das instalações e dos equipamentos da saúde”, lamenta.
Neves é responsável pelo SIE do Hospital de Santo Espírito, na Ilha Terceira.
No contexto de Covid-19, ele presta “uma especial homenagem a todos os profissionais de saúde”, mas, também, a estes Homens, por vezes esquecidos, do SNS e SRN, que têm estado na linha-da-frente, garantindo, “com dedicação, as condições de operacionalidade” das instalações e da panóplia de equipamentos.
“Aliás, presto homenagem, em especial, a todos os profissionais anónimos dos sectores essenciais, e, para além das fronteiras, que mesmo no contexto da pandemia e confinamentos, garantem que os bens essenciais não faltem às comunidades”, reafirma, destacando que, no momento das dificuldades, as sociedades são postas à prova, pondo nú, o melhor e o pior do carácter humano.
Dúvidas
Neves duvida se, ao longo dos 45 anos da existência da República de Cabo Verde, terá havido, por parte dos vários e sucessivos governos, “de forma objectiva”, o entendimento de que os conhecimentos e saberes dos conterrâneos na Diáspora, poderão ser colocados em prol do desenvolvimento do país.
“Tem havido contributos, muitas vezes esporádicos, em que a iniciativa parte, na mais das vezes, da Diáspora. Ou seja: de fora para dentro. Na prática, não há uma política concertada e consistente nesse sentido”, manifesta, ilustrando que, em várias ocasiões “a vontade de contribuir esbarra nas dificuldades burocráticas”, geradas pelo facto de não haver uma estrutura governamental para “agilizar e mesmo incentivar esse contributo”.
Ainda ele, existem, na Diáspora, comunidades com enorme sentido de solidariedade, não sendo, por acaso, a narrativa de que há ilhas cabo-verdianas espalhadas por todos os continentes.
“Há experiências nas mais diversas áreas do saber, assim como uma vertente e uma capacidade de internacionalização de elevado potencial, que se deve ter presente quando vislumbramos Cabo Verde no Mundo”, defende, para questionar: “Porque não aproveitar as novas tecnologias e criar uma plataforma digital, dedicada a implementar essa ‘rede de contactos’, em prol do desenvolvimento e duma coesão cabo-verdiana?
Mais engenheiro ou mais poeta?
Essa questão não é pacífica para Neves, nunca o foi.
Isso não significa que sejam práticas incompatíveis ou que o acto das duas, em simultâneo, resulte em algo desarmonioso.
“Na profissão que exerço, tenho, também, a consciência clara de que o avanço tecnológico é uma ferramenta essencial para que se possa cuidar, condignamente, da delicada matéria de que somos feitos. Portanto, não rejeito, antes assumo, integralmente, a minha experiência de vida”, argumenta, frisando que “nada é empecilho, tudo é matéria-prima para o poeta, sejam a fealdade e as mazelas que o esmaga e o obrigam a elevar-se na sua caminhada, sejam a beleza e o amor que lhe aconchega a alma e o peito”.
E conclui: “António Neves exerce a profissão de engenheiro, mas, inapelavelmente, é o poeta que o habita a tempo inteiro”.
Um verdadeiro Homem de (mais de) sete ofícios…
António Manuel Barbosa Brito Neves nasce em Lisboa – Capital de Portugal -, em Setembro de 1967, sendo filho de Hermengarda Barbosa Brito Neves e de António Manuel Neves.
Vive toda a infância e adolescência em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, Mindelo, onde faz os estudos primários e conclui o Secundário no Liceu “Ludgero Lima”, em 1985, ano que viaja para Coimbra.
Um verdadeiro Homem de sete ofícios, licencia-se em Engenharia Electrotécnica e obtém uma Pós-Graduação na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
De entre as várias actividades culturais no contexto da vida académica, fez um Curso de Teatro Experimental e colabora em vários eventos de teatro universitário pela CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra), tanto na organização e enquanto actor, como no âmbito da carpintaria teatral (Cenografia, Luminotecnia e Sonoplastia).
Nessa fase, de 1987 a 1992, foi, também, colaborador assíduo do DN Jovem (Suplemento Literário do Jornal “Diário de Notícias”).
Foi membro-fundador da Academia de Estudos de Culturas Comparadas, Mindelo – Cabo Verde -, e representante, em Coimbra, da Revista “Anais da Academia”.
Leccionou e deu aulas de Formação Tecnológica, no Ensino Técnico-Profissional e pela Universidade Católica – no Pólo de Viseu.
Especializa-se em Manutenção Industrial e lidera a manutenção fabril, na área da indústria química e farmacêutica, em Coimbra – Condeixa.
Actualmente, é especialista em Gestão da Manutenção e Engenharia Hospitalar, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, na Região Autónoma dos Açores.
Reside, desde 2001, nestas Ilhas da Macaronésia mais a Norte, onde, com outros poetas e agentes culturais tem liderado vários projectos e eventos de cariz cultural e literário, e, também, como curador.
É autor de livros de poesia, com relevo para: “Acto Primeiro ou O Desígnio das Paixões” (Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco, Praia, 1993); “Esteira Cheia ou O Abismo das Coisas “ (Angelus Novus, Coimbra, 1999).
Está presente em algumas antologias, designadamente: “Destino de Bai” (Antologia de Poesia Inédita Cabo-Verdiana, organizada por Francisco Fontes, 2008 – Coimbra); “Cabo Verde: Antologia de Poesia Contemporânea” (organizada por Ricardo Riso, Revista África e Africanidades – ano IV – n.º 13, 2011, Rio de Janeiro, Brasil); “Cabo Verde – 100 Poemas Escolhidos” (organizadoras Érica Antunes Pereira, Maria de Fátima Fernandes e Simone Caputo Gomes, publicação Pedro Cardoso Livraria, Praia, 2016); “Dez Poetas de Cabo Verde” (organização de Rui Guilherme Silva, Revista DiVersos – Poesis e Tradução, 2017, Porto); “Poesia CV – Hoje Séc. XXI (selecção e organização de António de Névada, Revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura, 2018).
Dispõe, ainda, de colaborações dispersas em vários periódicos literários, nomeadamente, na: “ArtiLetra”, “Fragmentos”, “Pré-Textos”, “AndarIlhagem”, “Vai-se Fazendo” e na “Atlântida”.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 677, de 20 de Agosto de 2020)