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Política

Cônsules-honorários: Cabo Verde tinha dois representantes para o mesmo território nos EUA

Um cabo-verdiano e um português chegaram a representar o país no mesmo território, Florida, EUA. Mas agora, com a exoneração do Caesar DePaço, como cônsul honorário do país em Palm Coast, na sequência do escândalo relacionado com o seu envolvimento com a extrema-direita portuguesa, Tó Faria reassume a sua condição de “único” representante deste arquipélago na Florida.

Cabo Verde tem, afinal, um outro cônsul honorário na Flórida, nos Estados Unidos da América (EUA). Trata-se do cabo-verdiano Luís António Pinheiro de Faria (Tó Faria), que recebeu a “Carta Patente” a 24 de Julho de 2018. No seu perfil, no Facebook, o mesmo assume-se como Cristão, Conservador, Sportinguista, Empresário, Genealogista, Historiador amador, Autor, Produtor. 

A área de jurisdição do cônsul Tô Faria, conforme os dados actualizados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “é todo  o território do estado da Flórida”, daí não se vislumbrar a necessidade de o Governo ter escolhido Caesar DePaço como cônsul de Cabo Verde para esse mesmo território. Os dois, como A NAÇÃO pôde apurar, com a função de atrair investimentos para o nosso país. 

60 cônsules em quatro continentes 

Dados apurados por este jornal indicam que Cabo Verde tem, neste momento, sessenta cônsules espalhados por quatro continentes: 37 na Europa; 10 nas Américas; 7 em África e 6 na Ásia. Desses sessenta, apenas 10 são cabo-verdianos. 

Dos três cônsules honorários de Cabo Verde nos EUA, dois são cabo-verdianos, e todos eles receberam a “Carta Patente” em 2018, com a vigência deste Governo de Ulisses Correia e Silva.  

Na Europa, quase todos os nossos cônsules honorários são estrangeiros e 12 deles receberam a “Carta Patente” entre 2016 e 2019. Cinco foram nomeados na primeira República, sete na década de 1990 e outros sete no Governo de José Maria Neves. 

Dos sete cônsules no continente africano, três são cabo-verdianos. Apenas o na África do Sul, Raymond Chong, foi nomeado em 2018. Os outros receberam a “Carta Patente” na vigência do Governo de JMN. 

Os cônsules de Cabo Verde na Ásia são todos estrangeiros. O destaque vai para David Chow, que recebeu a “Carta Patente” em 2001, logo nos primeiros meses do Governo de JMN. Todos os seis cônsules nesse continente foram nomeados entre 2001 e 2013.  

África ocidental vítima de cônsules-honorários

Os cônsules honorários ocupam um nicho pouco conhecido na elite global. São vagamente regulamentados, geralmente não remunerados, funcionários públicos de meio período, empresários, escolhidos por sua influência económica e política – ou, às vezes, por um favor ou doacção feita. 

Como dissemos no número anterior deste jornal, normalmente os cônsules-honorários são pessoas influentes, política e economicamente, que aceitam representar os Estados nas zonas onde actuam. Por essa ‘representação’ não recebem honorários, mas obviamente que eles têm os seus interesses na ‘ascensão social’, isenção fiscal, imunidade diplomática, etc. 

Em documentos das quatro principais investigações offshore do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) – Offshore Leaks, Swiss Leaks, Panama Papers e Paradise Papers – as negociações financeiras offshore de cônsules honorários, às vezes, se misturam às de corporações e cleptocratas acusados ​​de saquear a África na ordem de pelo menos 50 biliões de dólares por ano. 

Uma investigação descobriu que alguns indivíduos que representam países estrangeiros na África Ocidental, ou que representam a África Ocidental no exterior, guardaram dinheiro em paraísos fiscais, fora do alcance dos tesouros das nações que os acolhem. 

Os cônsules honorários que usaram empresas offshore e contas bancárias para proteger dinheiro e potencialmente reduzir as contas de impostos incluem um barão de refrigerantes representando o Panamá na Nigéria, um executivo português representando Burkina Faso e um cortador de diamantes belga representando a Libéria.

Conforme investigações desses consórcios de jornalistas, “embora muitos sejam honrados, alguns cônsules promovem acordos com altos funcionários e suas esposas. Alguns acham que não têm restrições e que, como voluntários não remunerados, o conceito de conflito de interesses não se aplica”.

Contudo, desde a publicação da investigação Swiss Leaks do ICIJ, vários países africanos recuperaram milhões de dólares em multas e impostos sobre contas bancárias.

Diferentemente do diplomata, que é o funcionário encarregado de representar o seu Estado perante um país estrangeiro ou organismo internacional, o cônsul honorário não tem função de representação política junto às autoridades centrais do país onde reside, mas actua na órbita dos interesses privados. As relações consulares são consideradas independentes das relações diplomáticas, de modo que a ruptura destas últimas não acarreta, necessariamente, o fim do relacionamento consular.

O papel do cônsul é regulado, no plano internacional, pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963. A inviolabilidade pessoal é um dos privilégios dos cônsules, que gozam de imunidade de jurisdição civil em relação a actos praticados no exercício de suas funções. O cônsul tem também direito a isenção fiscal. 

No fundo, como o artigo anterior deixou também a entender, além do prestígio social, ser cônsul honorário “acaba por ser um grande negócio” para quem exerce essa função. Por saber é o que é que o país já ganhou com esse tipo de representação, havendo gente que já se encontra nessas funções há mais de vinte anos.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 699, de 21 de Janeiro de 2021)

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