Por: António Carlos Gomes
Diferenciar recurso nacional do recurso local
Este governo, bem como o que o antecedeu, comete um erro conceitual que contribui, sobremaneira, para o agravamento da desigualdade social entre os residentes de espaços (entenda-se ilhas) diferentes.
O erro está em não captar, na essência, e diferenciar recurso nacional do recurso local. O potencial turístico das Ilhas da Boa Vista e do Sal são recursos nacionais.
De igual modo, o potencial agrícola de Santiago e de Santo Antão são recursos nacionais pelo que são determinantes para a nossa segurança alimentar.
Porque assim é, as receitas provenientes do turismo e os investimentos feitos na agricultura devem ser apreciados no âmbito nacional.
Princípio de solidariedade
Assim sendo, as receitas do turismo devem ser redistribuídas não em função da capacidade de cada município ou ilha em arrecadar receitas, mas segundo o princípio de solidariedade que deve nortear a relação social entre os cidadãos das nossas ilhas.
Nesta perspetiva, a repartição do Fundo de Estabilidade Social do Turismo, com base no critério “capacidade de arrecadação de receitas” deve ser rejeitada e, consequentemente, suspensa.
Com este critério único, as receitas do turismo ficam quase que exclusivamente no Sal e na Boa Vista contrariando a ideia de que o turismo é bom para Cabo Verde quando, na prática é, em virtude do critério atrás referido, bom para a Ilha do Sal e para a Ilha da Boa Vista, mas já as Ilhas da Brava e de São Nicolau ficam por perceber em quê que o turismo é bom se as receitas nacionais com origem no turismo não contribuem para lhes ajudar a vencer nenhuma das adversidades.
Atual modelo agrava desigualdades
Com efeito, com o atual modelo de distribuição das receitas do turismo, a Câmara da Brava e as duas de S. Nicolau não poderão oferecer, aos seus munícipes, as oportunidades e as infraestruturas que as Câmaras da Boa Vista e do Sal oferecem aos seus munícipes. É desta forma que se consolida e se agrava as desigualdades sociais entre cidadãos residentes em espaços diferentes.
Ora, por mais brilhante e sábia que forem as políticas de promoção do turismo na Boa Vista e no Sal, estas ilhas não poderão desenvolver-se isoladamente sem estar numa simbiose com as demais ilhas do País.
E esta simbiose, uma forma evoluída de solidariedade e de parceria, se exprime, no concreto, pelo gesto humano e solidário de reservar (cativar) e transferir para São Nicolau e Brava 30% das receitas do turismo para financiar o desenvolvimento destas ilhas periféricas com menor potencial turístico ou, pelo menos, com o potencial não devidamente explorado.
Assim deve ser porque o homem da Fajã d´Agua, da Furna, da Covoada e da Fajã de São Nicolau devem perceber, no quotidiano, que o turismo é, de facto, uma solução, uma aposta ganha para o País.
É esta solidariedade que assegurará um lugar de destaque às Ilhas da Boa Vista e do Sal no panorama nacional e o de locomotiva em todo o processo de desenvolvimento social e económico de Cabo Verde. Ela é também a condição necessária para que o turismo seja catalisador da economia nacional e não apenas uma fonte de receitas públicas.
Aos espíritos que acham que atribuir 15% das receitas do turismo a cada uma das ilhas é demasiado, deixo a reflexão de que o desenvolvimento não se faz com esmolas, mas sim com solidariedade e que demasiado e grande têm sido, sim, as constelações que gravitam à volta das receitas do turismo.
No essencial, o que aqui se propõe é que os recursos do País estejam disponíveis e ao serviço de um número maior de cidadãos. E aos que, eventualmente, perguntarão por que não a Ilha do Fogo e o Interior de Santiago, apenas lhes direi que a solidariedade entre as Ilhas, entre os cidadãos, não está enclausurada em nenhuma fronteira. Por esta razão, uma ponderação especial será dada à plataforma eleitoral que tenha em devida conta a solidariedade entre as Ilhas.
(continua)
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 691, de 26 de Novembro de 2020