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Fator (sur)presa na Praia

 

Por: Alexandre Gomes

“o povo é soberano e quem mais ordena”. Já dizia alguém.

Pelos dados ainda que provi- sórios, a noite de domingo, 25, culminou com a eleição dos titulares dos órgãos municipais em que o MpD reconfirma sua força política maioritária na arena au- tárquica conquistando 14 Câmaras, não obstante ter perdido ou- tras tantas a favor do seu mais direto opositor o PAICV que ficou com 8 autarquias. Uma vitória com sabor agridoce nas hostes ventoinhas e num cenário em que o resultado de per si às demais candidaturas concorrentes, ficaram a quem das expetativas. Na Praia aquilo que parecia “presa” fácil de roer, cedo se tornou numa grande SURPRESA com o Dr. Francisco Carvalho (FC) a ser eleito Presidente de Câmara. Poucos acreditavam e muito menos admitiam tal hipótese. O resultado veio contrariar todas as sondagens, se é que existiam e, existindo, questiona-se a veracidade da mesma.

Efetivamente, as eleições se ganhem e se perdem após o apuramento geral dos votos. Não existem vitórias morais e muito menos antecipadas. Na Praia o cair de um dos “pesos pesados” levou a derrota do partido ventoinha e a reconquista da edilidade praense pelos tambarinas, passado que fosse 12 anos. Uma derrota que extravasa a dimensão local e com projeção nacional pelo fato da Praia ser a Capital da República e do papel que desempenha no contexto geopolítico nacional. A conquista da Capital pode ditar muitas coisas numa eleição que vislumbra, prima facie, a antecâmara às legislativas já no virar da esquina…

Sendo assim, questiona-se o facto que esteve na basse da derrota do MpD. Efetivamente, vá- rios fatores. Todavia, destacamos três possíveis razões de fundo. Antes de mais, é de reconhecer que Praia conheceu ganhos notáveis com a governação do MpD de 2008 a esta parte, em vários setores com destaque na requalificação urbana, no saneamento básico, na energia e água, na segurança municipal, pese embora persiste problemas candentes no que toca a política habitacional, ordenamento do território, dos transportes e denúncias de casos de corrupção que soa a quatro ventos e um certo desgaste da atual equipa camararia.

A par disso, a alta taxa de abstenção que se verificou na Praia à volta dos 55.6% correspondente a um número de 46.631 eleitores num universo de 83.873 inscritos que não exerceram o dever cívico de votar, correu contra o candidato do MpD. O descrédito na política e nos políticos reforça o au- mento da abstenção de uns tempos para cá, sem olvidar que a pandemia da Covid-19 contribuiu nesse sentido. Na Praia a taxa de abstenção prejudicou e muito a candidatura do Dr. Óscar Santos. Militantes e simpatizantes, quiçá, revoltados com o sistema de governação implementada e, outros imbuídos de uma confiança extrema resolveram pura e simplesmente não irem às urnas. A abstenção é um fator a considerar por estar in crescendo de ciclo em ciclo eleitoral.

Em segundo lugar, o descon- tentamento da classe menos favorecida (mas maioritária) que se vive na capital do país à volta de implementação de políticas públicas em setores chaves de governação local como é o caso da habitação, do acesso a terrenos, dos transportes, do comércio informal, é muito gritante. O ordenamento do território e a correção torrencial principalmente nos subúrbios da capital que demonstraram fragilidades com as últimas chuvas, bem assim como certas obras apelidadas pela oposição de “obrinhas ou obras de cosmética” deram um contributo sofismável para o descontentamento social que se vive, sem deixar de fora a política social da câmara municipal que peca pela precariedade numa cidade cosmopolita e virada ao mundo, e movida pelo forte êxodo rural. A Praia precisa de uma política social mais forte e mais robusta. Digno de registo é o atentado às vendedeiras ambulantes, que por um lado, tem um aspeto positivo por contribuir no melhoramento e organização da urbe, mas por outro, ela é exercida fora do quadro pedagógicosocial, ficando assim absorvida o primeiro aspeto. A guarda municipal prima pela perseguição ao invés da informação e formação.

Uma política de habitação que descrimina aqueles de menor posse nos moldes em que é feito “por leilão”, sem olvidar a (in)capacidade da câmara na fiscalização agindo sob as consequências e ignorando as causas. Por fim, um presidente aparentemente fechado em si e pouco dialogante crispa relações e cria zonas de conflitos. A governação é diálogo constante e permanente.

Em terceiro lugar e um aspeto importantíssimo que ditou a vitória do candidato do PAICV tem a ver com a visão sociológica do candidato. Entendemos nós que o Sr. FC percebeu, e bem, os reias problemas sociais da cidade e estrategicamente soube identificá-los e a partir de ali fixar suas metas e construir uma plataforma que vá ao encontro às reais necessidades dos praenses. A mensagem passou. Tudo isso é fruto de sua formação académica enquanto sociólogo e muito presente em atividades de caris sociocomunitária, dai o mérito pessoal na vitória e o afastamento da tese de ser um “desconhecido”. Essa tal visão sociológica veio contrapor a visão económicaliberal implementada pelo candidato derrotado, fruto também de sua notável formação e vasta experiência. No entanto, faltou-lhe tocar na questão de fundo e fazer das pessoas o centro da governação. Este quesito marcou a diferença nessas eleições. Dentro desse aspeto sublinhamos a máquina partidária que mobilizou à volta da candidatura do PAICV. O PAICV é um partido do arco do poder, de história governativa muito longa, pelo que, soube tão bem aliar a estratégia político-partidária a um candidato que parecia “fraco e derrotado” à primeira vista, para que amoleça o adversário e partir de ali criar bases que permitiram levar de vencida o seu opositor mais direto. Mérito do partido e da líder. Entretanto, ressalvamos que toda essa estratégia não retira o FATOR-SURPRESA nas hostis tambarinas mesmo que, maquiavelicamente, tentam contrariar tal hipótese. Se o PAICV tivesse a firme convicção de que ia vencer essas eleições, optaria de certeza, por um outro candidato, facto real por ser que o presidente ora eleito não era a primeira aposta do partido (isto não ficou no segredo dos deuses).

Independentemente dos fatores, praeses habemus, e houve alternância política na Praia, 12 anos depois. Assim se vive em democracia. O povo é soberano e quando escolhe, escolhe sempre bem! Portanto, cabe a cada um dos atores políticos tirar as ilações.

O presidente eleito certamente terá enormes desafios pois irá governar num contexto de crise económica e sanitária que requer novas medidas de políticas, diálogo profícuo com as bases, forte engajamento com entidades públicas, privadas e internacionais e a sociedade civil para criar um ambiente favorável e puder materializar a sua plataforma eleitoral e perspetivar uma praia “pa nôs tudo” fazendo jus ao lema de campanha. A parceria com o governo central é chave para dar continuidade a projetos que soa estruturantes para a capital. Nisso, obviamente, terá vida facilitada por puder contar com um governo parceiro que prima pelos princípios de complementaridade, subsidiariedade e solidariedade no relacionamento entre o poder central e local. Terá também vida facilitada nos projetos de requalificação urbana, com grandes obras já em execução e demais aprovados e financiados.

Portanto, estão criadas as bases para que possamos ter uma Praia cada vez mais desenvolvida e sustentável quer do ponto de visto social, económico, demográfico e ambiental.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 687, de 29 de Outubro de 2020

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