Por: Carlos Carvalho
Antes de entrar ao que me traz e porque estamos no rescaldo das renhidas eleições autárquicas, do dia 25 próximo passado, permitam-me enviar os parabéns aos vencedores, nossos próximos futuros líderes autárquicos.
Como reza o velho adágio: “Honra aos vencedores…glória aos vencidos”!!
E continuamos a dar e a ser um exemplo em África e não só!!
Passo ao que nos trouxe, desta vez, o titulado:
Ghandi
Indiano, franzino, pikinoti propi, de uma aprumada inteligência, jurista de formação, Ghandi é das figuras maiores do século passado, um dos heróis da luta contra o colonialismo mundial e inglês, em particular.
No Alpha Encyclopédie, Tomo 7 (1970), encontramos Ghandi assim retratado:
«Homme d’État, père de l’indépendance indienne…l’une des plus grandes figures du XXe siècle; son nom reste attaché à la non-violence comme philosophie et comme méthode d’action». (Homem de Estado, pai da independência da Índia…uma das maiores figuras do séc. XX; seu nome ficou definitivamente relacionado à não-violência como filosofia (de luta) e como método de acção (política)).
Ghandi fez os estudos universitários na Metrópole do Império Britânico. Concluída a formação universitária, exerce advocacia numa outra ex-colónia inglesa, a África do Sul racista, onde advoga a favor de seus conterrâneos hindus oprimidos e explorados. Estava-se nos finais do séc. XIX, inícios do século passado.
Depois de viver nesse antigo território do império e conviver com o racismo antanho vigente, decide regressar à sua terra-natal, onde inicia uma luta tenaz contra o colonialismo inglês.
Eis, resumidamente, a vida do Mahatma (Grande Alma) Ghandi, um dos heróis do 3° mundo na sua luta pela emancipação e independência contra o colonialismo e o imperialismo.
Porém, a áurea de herói do 3° mundo vem sofrendo, nos últimos tempos, erosão/abalos, ao ponto de uma estátua sua, erigida há poucos anos numa Universidade do Ghana ter sido removida. É que estudiosos dessa enorme figura mundial teriam chegado à conclusão de que teve atitudes preconceituosas em relação aos africanos aquando de sua estada na África do Sul racista.
Obadele Kambon, um dos responsáveis dessa Universidade, em declarações à agência France-Presse, argumentou: «Remover a estátua se tratava de um assunto de “respeito” […] Se não mostramos respeito pelos nossos heróis, como pode o mundo respeitar-nos? Remover a estátua é uma vitória da dignidade negra e para o respeito próprio”, concluiu.
Segundo a mesma fonte: “Múltiplos estudiosos têm sublinhado as provas de que Mahatma Gandhi possuía opiniões bastante negativas em relação às comunidades nativas no Sul de África». (Fonte: Mundo. Retirada do Google).
Confesso não ter informações firmes sobre esta faceta do herói indiano, pelo que reservo para mim que Ghandi, tal como Cabral, Nkrumah e outros, continua representando o pequeno naipe de grandes heróis-lutadores contra o colonialismo e pela dignidade dos oprimidos.
Mas, a pergunta que suponho estar-se fazendo é:
Ao que vem esta reflexão sobre Ghandi? Explico.
Há uns dois meses, nas imediações do bairro onde resido e trabalho, apareceu, quase que do nada, um pedestal. Via-se que era para receber um busto.
Porém, ninguém imaginava que figura seria aí homenageada.
Longe de todos supor que o tosco pedestal era para receber uma das maiores figuras da história do século passado.
Assim, quando vimos o herói no pedestal, a surpresa foi total.Era, nem mais, nem menos, Mahatma Ghandi.
Qual o motivo deste abrupto e insólito aparecimento?
O que justifica(va) um busto de tão proeminente figura da história mundial na zona?
Curioso, tentei tirar a limpo o facto.
Primeiro. Quem resolveu pôr um busto de Ghandi nesse local, nessa zona?
Tentei saber se Ghandi tinha a ver com alguma coisa na zona, no bairro, na nossa capital, Praia.
Avenida-Rua-Largo Europa
Como era o nome da rua, onde Ghandi iria ser notabilizado na capital, para sempre, foi a minha primeira preocupação.
Andei a rua toda, rua que, aliás, conheço di cor i saltiadu para ver se o nome da rua teria alguma reminiscência de um passado, ou presente, indiano…asiático…
A Avenida/Rua/Largo é repleta/recheada de agências bancárias, empresas de telecomunicação e de electricidade, conhecidas clínicas, cafés, um hotel, mini e super-mercados, edifícios residenciais privados e a nossa Bolsa de Valores.
Nada!! De Índia, de Ásia, de Ghandi…nada!!!
Fui perguntando a alguns funcionários dessas instituições, aos guardas, a alguns moradores conhecidos meus, qual era o nome da rua.
Claro, errada, mas normalmente, a maioria não sabia. Não havia nenhuma placa que sinalizasse a rua.
Lembrei-me que, no final da rua, havia uma livraria. Nela, certo, alguém me daria a informação que procurava. Pensamento correcto.
Aquela que pensava ser uma rua, um largo, afinal, não era uma rua, nem um largo. Uma funcionária me informou: – É Avenida Europa!!
Estranhando uma avenida, assim, segui indagando aqui e acolá, o nome da rua para reconfirmar a informação recebida.
Numa outra das instituições onde alguém tem a obrigação de saber em que beco, rua, largo, avenida situava sua instituição, recebi a informação de que afinal era Rua-Largo Europa.
– Não!! Avenida!!?? Não! É mesmo Rua-Largo Europa, reafirmou minha fonte.
Bom, Rua-Largo ao mesmo tempo só pode ser caboverdura, pensei.
E…como não havia nenhuma placa com sinalização da Rua-Largo-Avenida…
Assim, mais uma dúvida adicionou-se ao que já tinha.
Mas, por que “Europa”? Não havia nada de Europa na “avenida”.
Mais tarde, um amigo também morador da zona me lembrou que, em tempos idos, a sede da instituição União Europeia se situava nessa “Avenida”.
Eis aqui a aparente justificativa para a denominação da Avenida/Largo.
Porém, há muito, a sede da UE fora mudada para outra localidade, mais nobre, evidentemente. Assim, já nada justificava a existência de uma Avenida Europa, onde nada de Europa figurava.
Mas, a Avenida/Rua/Largo Europa lá continua…sem uma simples sinalização.
Cerne desta reflexão
A minha indignação, motivo desta reflexão, foi saber como é que alguém, no seu perfeito tino, teve a “lucidez” de erigir um busto em honra a tão ilustre figura anti-colonial, em pleno “centro da Europa”, continente que teve como país colonizador-mor, a Inglaterra, contra quem tanto lutou Mahatma Ghandi.
Perante esta desconcertante constatação, como justificar a presença de um busto de Ghandi num vazio Ghândico ou, se quisermos, num vazio Asiático?
Nada, na Avenida/Rua/Largo, lembra(va) a Europa.
Pior. Nada, na Avenida, lembra Ásia, Índia, quanto mais Ghandi!!
Concluindo
Não sabendo quem é o autor de tamanha estranha proeza, a erecção do busto de Ghandi, nessa localidade, resta-me solicitar às novas autoridades municipais a remoção do busto, corrigindo o erro histórico cometido.
Já agora, busto retirado, solicitar quem o concebeu que o retrabalhe, pois que o autor ou não conhece a imagem de marca do herói indiano, ou se esqueceu dum pormenor de tamanha importância, os óculos à intelectual refinado, que usou quase durante toda a sua vida. Sem esse pormenor, o busto é tudo, menos Mahatma Ghandi.
Mais. Querendo a Praia homenagear e dignificar o herói terceiro-mundista, busto retirado e retrabalhado, deve-se guardá-lo para quando houver uma representação digna de seu país no nosso país, e colocá-lo nas imediações em que se localizar essa representação.
À laia de recomendação
Em tempos, se não me falha a memória, criou-se uma equipa para trabalhar a Toponímia da Cidade da Praia. Se estou certo, louvável foi a decisão. Porém, desconheço os resultados do trabalho da equipa.
Se estou errado, isto é, não foi criada essa comissão, aproveito para recomendar/solicitar às novas autoridades-capitalinas a criação de uma para a revisão da toponímia da nossa cidade, pois que, tivemos até a sapiência ou habilidade de ter uma rua que se chama, imaginem!!! Rua Entre-os-Rios!!! Perto da Europa!!
E quase não existem Ruas/Avenidas/Parques (bom, estes não existem mesmo na nossa capital) que honorem nossos heróis do antanho e ou de nossa luta recente pela independência e dignidade nacional; de nossos homens de cultura, do desporto ou outros; e nem anónimas figuras que marcaram o quotidiano da nossa capital.
Tenho dito!!
Publicado na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 689, de 12 de Novembro de 2020
