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Chuva

Por: Filinto Elísio

A chuva, farta e boa, falou mantenha no fim-de-semana nas ilhas e é um bálsamo. Escreveu alguém que só o cabo-verdiano, depois de tão injuriosa seca, entende quão bem-aventurada a chuva. É a tal vivificação das ânsias, incorporada sublimemente pelo poeta António Nunes. É de tal forma que, uma das vontades reprimidas do cabo-verdiano no estrangeiro, é não poder desatar a correr na via pública, como quem vê o passarinho verde, ao banho de chuva. Caso para dizer que a alegria não lhe poderia ser “mais tanta”…

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É como estarmos no U-Bahn em Berlim e, na estação da Rosa-Luxemburg Platz, entrar-nos no comboio um casal a conversar em crioulo de Cabo Verde. Naturalmente que não se resiste à tentação de afirmação da nacionalidade e de uma despedida efusiva, como velhos amigos se tornam de um triz, já na Potsdamer Platz. É como viajarmos a bordo de um A308-800 da Lufthansa – de Frankfurt a Hong-Kong -, e de repente, pelo headphone, Cesária Évora nos completasse em morna. Para que tenhamos a grandeza das coisas, a água da chuva a escorrer-nos pelo corpo é muito mais que tudo isso. Mais até do que uma carícia na alma. Difícil de se apurar em exata transcendência…

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O linchamento grupal de Willy Monteiro Duarte, jovem cabo-verdiano, de 21 anos, em Roma, Itália, interpela a uma profunda ponderação da comunidade cabo-verdiana e a uma consequente tomada de posição. A par da tristeza e da indignação que este caso traz, ele não pode ser considerado com algo isolado, acidental e incidental. É o sorrateiro genocídio de vidas negras, ora temperado pelo varejo e pela diluição do racismo em crime urbano e juvenil. É o esclavagismo reeditado, escondido nas malhas da democracia a degenerar-se. Faz parte do ovo da serpente de há algum tempo estalado e agora com a Besta “já fora do armário”. É um caso em muito semelhante ao linchamento covarde do jovem Giovani Rodrigues, ocorrido em Bragança, Portugal, em dezembro de 2019, não se descartando motivação racial e xenófoba.

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Algumas premissas (das consideradas basilares para a Polis) ficaram mais desacreditadas em apenas seis meses desta severa e galopante crise sanitária. Os pilares instituídos, sob ressonância constante da crise, tornaram-se frágeis e o edifício coletivo, caso não aconteça uma intervenção de fundo, incorre ao colapso. É hora de pensar para melhor agir, avaliar os intangíveis e os imponderáveis, analisar todas as variáveis, sem descurar que errar, risco que acomete a quem faz, pode ser a antessala da aprendizagem. Aprender, aprender sempre, é o mote. Ou, pelo menos, devia ser o modo.

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“A chuva, farta e boa, falou mantenha no fim-de-semana nas ilhas e é um bálsamo. Escreveu alguém que só o cabo-verdiano, depois de tão injuriosa seca, entende quão bem-aventurada a chuva. É a tal vivificação das ânsias, incorporada sublimemente pelo poeta António Nunes. É de tal forma que, uma das vontades reprimidas do cabo-verdiano no estrangeiro, é não poder desatar a correr na via pública, como quem vê o passarinho verde, ao banho de chuva. Caso para dizer que a alegria não lhe poderia ser “mais tanta”…”

 

E eis que a pandemia amplifica tudo e, até simplifica alguma coisa, porquanto o grande pulsar da vida continua a ser a morte. É preciso repensar as coisas também à margem dos partidos, sem pretensão de os substituir; faz falta politizar as causas dialéticas do ódio, do medo e da ansiedade. Alguns manifestos casos de fragilização democrática. Há casos de degradação para o iliberalismo e a autocracia. O efeito cascata desta pandemia põe em risco não só a estabilidade sanitária, económica e social, mas também política. Por isso, como nunca, a necessidade de vigilância cidadã contra o autoritarismo galopante. Só a cidadania ativa pode evitar o incêndio geral, transbordante, transcendente…

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Que chova…em Cabo Verde e no mundo!

 

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