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… e (quase) tudo a Covid-19 quis e quer levar na insustentável leveza das nossas fragilidades

Por: Pedro Moreira

De uma crise como esta não se sai da mesma maneira, como antes: ou se sai melhor ou pior.

Que tenhamos a coragem de mudar, de ser melhores, de ser melhores do que antes e de ser capazes de construir positivamente a pós-crise da pandemia”. — Papa Francisco, 31 de maio de 2020

      0. Declaração de princípio e de intenção em antecipação da matéria

Nesta praxe, quase litúrgica, ao longo dos últimos anos, eis o momento de lançar um olhar retrospetivo, mesmo que de relance, sobre o que tem sido o ano que se aproxima do seu termo, 2020,[1] como sempre, em forma de crónica, em todo o caso, com a responsabilidade e o sentido do dever cívico que uma cidadania presente e ativa impõe, o que, não facilitando a empreitada, torna-a, contudo, mais tratável e, até certo ponto, oportuno, útil e algo aprazível. Tudo numa lógica de um continuum presente, como nos exemplificaria Santo Agostinho, “os presentes das coisas presentes, das coisas passadas e das coisas futuras.”

Procurei cingir-me, sobretudo, a factos, mais do que às figuras, e tentei cuidar-me em não adotar nenhuma criteriosidade, em particular, na escolha, ordenação e exposição dos mesmos, a não ser a de construir uma narrativa com os mesmos, cronicando, claro, sem a mínima pretensão de grandes tiradas técnico-filosóficas – nem políticas! -, passando sempre pelo crivo dinâmico das “três peneiras.”[2]

Nessa linha, não procuro anuências ou concordâncias, quaisquer que sejam, e grato serei se, simplesmente, com algum jeito e arrojo – qual atrevimento! –, ousar despertar a menor reflexão ou questionamento na procura de respostas que nos deixam, um pouco mais e melhor do que já somos.

Para além disso – convém notar -, estou tendo em devida conta a Christmas season, em que nos encontramos e que, como bem canta Cliff Richard, “a time for rejoicing in all that we see,”[3] este limbo morno e colorido – embora menos este ano – de uma estranha cumplicidade cósmica, das pessoas e das coisas, de luz e paz, que vem se irradiando, ano após ano, de lá dos confins de Belém de Éfrata,[4] há dois mil anos, criando um ambiente envolvente que congrega tudo e todos para mais tolerância, mais fraternidade e solidariedade; tempo do bem e do bom, que se emana do ar, se sente em casa e se entende e entranha nas conversas, das mais corriqueiras às mais formais, seja na rua entre os amigos, colegas de trabalho, velhos conhecidos, estranhos simpáticos, amores antigos ou até adversários de ocasião. Não é tempo para hostilidades nem para antagonismos ou protagonismos exagerados, ou mesmo inimizades, porque – para os cristãos, ao menos – o divino se fez e faz humano, elevando este à sua (do divino) imagem e semelhança e deixa todos os homens nesse estado sacramental, nem sempre compreensível, às vezes, desconfortável, até, de irmandade e fraternidade misteriosa e real.

Como sempre, por estas alturas, mesmo no meio de uma pandemia, parece que o ano, no caso, atípico a todos os títulos, passou num ápice e, mesmo assim, porque existe mais vida aquém e para além dessa desgraça pandémica, já longe parecem ficar – abrenuntio! – aqueles tempos sombrios e monótonos da época do confinamento total e obrigatório, a cada estado de emergência, quais reclusões domiciliares, de quando em vez entrecortadas pelas intrépidas presenças e/ou lembranças dos recém-chegados autoritários, impondo o arbítrio geral e as respeitosas regras e restrições para a nossa e proteção de todos e nos lembrar que, afinal, esse tempo tem dono.

Para terminar este introito, já adentrado na matéria, não posso deixar de notar que, entre outras algumas coisas boas deste ano de privação e provação, na linha do sugere o Senhor Cardeal José Tolentino Mendonça[1] e nos exorta o Papa Francisco, de transformar este cronos de pandemia num kairos de graça, de crescimento e de conhecimento, especialmente durante os dias mais duros, fui rabiscando o que a mente de um corpo mais ou menos confinado me ia libertando em forma de questionamentos e constatações que, por agora, intitulei de “Lições aprendidas em tempo da Pandemia de Covid-19” e que, espero, ter tempo, engenho e arte suficientes, para as compilar em algo minimamente aceitável e a oportunidade de as levar, um dia destes, à estampa, em forma de partilha e contributos meus em tempos da crise pandémica.

  1. De uma forma geral, e (quase) tudo a pandemia/Covid-19 quis e quer levar[2]

Longe das narrativas macabras e reivindicações oportunísticas, por ora, entre outros, abstenho-me, também, de analisar quaisquer números ou estatísticas de infetados, doentes, afetados (com ou sem sequelas), mortos, etc., de que estamos saturados, cansados e aterrorizados de ver e ouvir, a toda a hora e de todas as formas e maneiras, desde que a pandemia se instalou, no nosso país e no mundo.

Apesar disso, do muito do que já se disse e escreveu sobre o assunto, a sensação é que a pandemia de Covid-19 é, ainda, uma história para contar e ser contada – a começar pela sua origem – de tanto cognomeado de desconhecido e inesperado e da narrativa instalada de, nunca na história, a humanidade ter sido confrontada com algo parecido, perante tantas (in) certezas à volta da sua evolução.

O que vale, como verti na declaração inicial a propósito das proposições do Papa Francisco e o Cardeal Tolentino Mendonça, é que, afinal, as desgraças e as crises são também momentos de graça e oportunidades favoráveis de crescimento pessoal e coletivo.

Tanto é assim que, desta pandemia e do ano que está a finar, entre outras, guardo a imagem e tudo o que ela representa, do Papa Francisco na celebração, oração pela humanidade e mensagem “urbi et orbi” históricas do dia 27 de março, uma sexta feira, qual paixão do Senhor, quando numa solitude nunca vista, tendo no fundo a narração evangélica da tempestade acalmada por Jesus Cristo[3], num dos seus vários momentos profunda, dura e singelamente tocantes, a dado passo da sua homilia, me calou no fundo da alma e da mente, quando confidenciou que “desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos”. Num outro passo, um pouco mais à frente, observou que, “a tempestade (da pandemia) desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades.”

Para além da pandemia e por consequência, atividades, projetos e eventos parados, adiados ou cancelados, para não falar de sonhos suspensos e/ou abortados, o que mais haverá, na linha da minha declaração de princípio e intenção, para contar? Eis alguns também limitados pelo espaço disponível.

  1. No meio da pandemia, inicia-se um novo ciclo político-eleitoral com as eleições autárquicas

Porque a política não pode parar, no matter what, com as eleições autárquicas de outubro, deu-se início a um novo ciclo político-eleitoral que deve terminar aí para o último trimestre de 2021. Sendo um tópico que daria e dará para um sem-número de crónicas, sobre o qual pretendo voltar com os meus “Tiques & Toques” e depois do muito já se disse e escreveu sobre o assunto, se pudesse resumir o resultado das mesmas numa frase apenas, eu diria que, venceu um maior equilíbrio – mais por demérito de um do que por mérito do outro (é no aproveitar é que está o ganho) – no reino do poder autárquico do MpD e começou a perigosa dança da geringonça em Cabo Verde.

  1. Lei da Paridade e as eleições autárquicas

Tenho dúvidas, muitas dúvidas.

O que fazer com (um) a lei de paridade, a lei mais fashion para não dizer a mais fraturante do país, quando 21.53% de listas candidatas a órgãos do poder local do país não a cumprem e…, népias?!?

  1. Afinal, Turismo é mesmo o motor e a alavanca da economia em Cabo Verde

Finalmente – primeira parte!

Aprendemos que é nas crises e nas desgraças que, não só os amigos, mas também, certas verdades costumam vir ao do cimo. Na verdade, apesar do Programa do Governo e outros documentos estratégicos da governação serem taxativos e perentórios em qualificar o turismo como o pilar central da economia e outros mimos do tipo é, na prática e disputas de protagonismos que as coisas continuam longe de corresponder a essas expressões de intenções e bases programáticas.

Todavia, chegada a pandemia, fechadas as fronteiras e por/em consequência, também os hotéis, restaurantes, serviços de transporte, casas de espetáculos e diversão, etc. e, vendo que não há lay-off que resolva o problema de todo, caiu a ficha de que, afinal o Turismo é quase tudo neste país e muito mais, ainda; o turismo faz andar e sustenta grande parte da economia e população deste país.

Agora – segunda parte -, é esperarmos, para ver e saber, pela próxima orgânica do Governo, para ver até que ponto aprendemos de a lição.

  1. Próxima (s) crónica (s)

A não perder, a próxima crónica sobre as perspetivas para 2021 e, haja algum tempo para o regresso de “Tiques & Toques de um Novo Ciclo Político-Eleitoral”. Até lá, os meus renovados votos de uma quadra festiva feliz na paz e no bem e um novo ano de muitas prosperidades, cada vez mais longe da/sem Covid-19.

pedromoreira2006@gmail.com

[1] A ser complementado com as Perspetivas do ano que se aproxima, 2021 no próximo número.

[2] Consta que a ideia das três peneiras terá sido uma criação do Sócrates, filósofo ateniense, que se pautava a sua vida, comunicação e ensinamentos sob três pilares: verdade, bondade e necessidade.

[3] Da música “Mistletoe & wine.”

[4] Cf. Bíblia Sagrada, Mt 2, 6.

[5] Cf. intervenção no ciclo “Tecendo redes – diálogos online de Teologia Pastoral” (2020).

[6] Lembrando o filme Gone with the wind/E tudo o vento levou (1933), dirigido por Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood para Selznick International Pictures.

[7] Cf. Mc 4, 35 – 4.

 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 697, de 07 de Janeiro de 2021

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