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Opinião

Três perguntas ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Praia

Por: José Manuel Araújo

Recentemente o senhor foi o convidado do programa Praça Financeira da TCV.

Surpreendi-me ao notar de novo que especificamente nessa edição do referido programa, mais uma vez a TCV voltou a cair na tentação de tratar de assuntos que, do modo como foram tratados, nada tinham a ver directamente com o tema financeiro.

Nele foi abordado a necessidade na sua óptica do Estatuto Especial para Praia, da extensão da pista do aeroporto da Praia, da construção dum hospital de raiz na Praia, da construção de túneis, da instalação de teleféricos, entre tantos outros que mais parecia aquelas entrevistas especiais feitas aos Presidentes das Câmaras, normalmente por altura das comemorações do dia do seu município onde é-lhes dado a oportunidade única para falarem desafogadamente dos problemas, projectos, sonhos e desejos, amor, visão e das perspectivas para o futuro do seu município.

Por isso pensei que o senhor ter-se-ia metido numa saia justa pois, tendo ido a um programa para enquanto economista abordar o tema financeiro, ou enquanto presidente de câmara falar da sua experiência na sua relação com o sistema financeiro, o jornalista dá a volta ao programa e faz-lhe uma entrevista sobre o município.

Assim, a minha primeira pergunta é a seguinte: no fim do programa, em off, o Sr. terá procurado conversar com o jornalista no intuito de contribuir para o redesenho desse tipo de procedimento? É que com uma só cajadada, tanto o convidado como os telespectadores foram enganados.

A minha segunda pergunta tem a ver com o seguinte:

A dado passo da entrevista o Sr. afirmou: o governo investe nas outras ilhas mas a Câmara da Praia, como tem recursos, ela tem de fazer tudo sozinha com os seus próprios recursos.

Para melhor entender a sua afirmação, gostaria que me esclarecesse as seguintes dúvidas. Foi a Câmara da Praia que construiu o estádio Nacional? A circular da Praia? A Escola de Hotelaria e Turismo? O Gimnodesportivo Vává Duarte? O Centro de Alto rendimento desportivo da Praia (que depois de criado muda de nome para Centro de Alto rendimento desportivo de Cabo-verde)? O Atlantic Music Expo na Praia? O Centro de diálise da Praia (que depois de criado muda de nome para Centro Nacional de diálise)? O parque 5 de Julho? A maternidade da Praia? O CERMI? O parque tecnológico da Praia? O centro de comando, controlo e videovigilância da Praia? A academia de artes Cesária Évora na Praia? A agricultura periurbana na Praia? O campus da UNI-CV na Praia?

Pergunto porque, se se referia a estas promessas em concreto mais as muitas outras feitas à Praia, vejo estarem já todas concretizadas e a funcionar de vento em popa.

É que se estivesse por exemplo a referir ao Centro de alto rendimento desportivo do Mindelo, ao Centro de diálise em S.Vicente, ao parque tecnológico do Mindelo, à maternidade de S.Vicente, ao centro de comando, controlo e videovigilância do Mindelo, ao segundo pólo da academia de artes Cesária Évora em Mindelo, à agricultura periurbana em Mindelo, mais as outras muitas promessas não cumpridas tais como o oceanário do Mindelo, o aeroporto internacional que ficou a meio, o porto de águas profundas, o terminal de cruzeiros, o parque natural de Monte Verde, a transformação de S.Vicente no centro da cultura de Cabo-verde porque a ilha tinha experiência, condições e vocação para tal, a transformação do CNAD no Centro Jorge Pompidou de Cabo-verde, o estádio Adérito Sena com as condições para receber os jogos da selecção Nacional, o centro interpretativo do Porto Grande, os 70 000 contos para recuperação do Liceu Ludgero Lima, a refinaria de petróleo, as actividades de Bunkering no Porto Grande, o campus da UNI-CV do Mindelo, depois campus do mar, a remoção dos barcos encalhados e emborcados na baía do Porto Grande, aí sim, haveria de concordar consigo sobre a existência duma situação de manifesta ausência de investimento, e no caso, acompanhada dum sistemático incumprimento da palavra dada.

Sei que algumas destas promessas são recentes pelo que não deveriam ser precipitadamente consideradas como incumpridas, só que a tradição nos diz que relativamente a S.Vicente assim acaba sempre por acontecer porque são promessas cujas realizações ficam sempre aprazadas para uma segunda fase que, depois da primeira, tarda sempre em chegar, acabando normalmente por desaguar no esquecimento do nunca mais.

É claro que conhecendo como é a política, também ninguém esperaria o cumprimento de todas as promessas porém, quando passam anos e anos e mais anos e nenhuma é concretizada sequer para servir de amostra, dá que pensar. Ou seja, espremendo tudo isso, o resultado é “ZERO”.

Se em relação a S.Vicente, talvez a segunda ilha objecto do maior número de promessas no país, o panorama é este, que pensar de certas ilhas que mais parecem esquecidas no atlântico?

Assim, a segunda pergunta é: com a sua experiência de presidente numa câmara tão importante como a da Praia, acha que nestas condições S.Vicente conseguirá pensar em ter aquele “mercado que decide” e por essa via, ter as condições para conseguir aqueles recursos que lhe permitam também poder fazer tudo sozinha com os seus próprios recursos e sem apoio do governo?

Terceira questão: Também o senhor disse que Praia precisa de investimentos porque em 18 anos aconteceu um fluxo migratório de 60 000 pessoas para essa ilha. Portanto, digo eu, que relativizado a um país de pequena dimensão e população como Cabo-verde, mais parece um fenómeno imaginável só em cenários de zonas de instabilidade com as consequentes deslocações de refugiados.

Por isso, gostaria de saber se estou certo no meu raciocínio. Se Praia recebeu 60 000 pessoas em 18 anos, o senhor quererá dizer que foram criadas condições na Praia que não foram criadas nas outras ilhas para que toda essa gente fosse obrigada a abandonar as suas ilhas e irem viver na Praia? Quererá dizer que se hoje e de novo, agora a seu pedido, se se voltar a criar condições na Praia para resolver esses novos problemas causados por essa avalanche de 60 000 pessoas, a situação vai-se transformar (está a transformar-se) irreversivelmente numa pescadinha de rabo na boca para consolidar as condições que hão-de servir sempre como justificativa para se centralizar na Praia?

E que nos próximos 18 anos, considerando todas a suas solicitações, inclusive um estatuto especial, e mantendo-se a mesma eficiência concretizadora dos sucessivos governos relativamente aos projectos para a capital, essa migração para Praia duplicará nesse mesmo período de tempo para 120 000 pessoas? E quererá dizer então que com tudo isso, o próximo presidente da Câmara terá obrigatoriamente de voltar a pedir mais e mais dinheiro sem nunca conseguir divisar a existência dum horizonte cultural, social, humano e emocional, além das fronteiras da própria ilha? E que continuando assim, Praia corre o risco de nunca mais conseguir se libertar dessa grave situação, que é a de ver os problemas das suas populações sempre resolvidos com mais e mais dinheiro do Estado, sem que elas tenham de abandonar a ilha para ir viver para outras ilhas, resultando tudo isso no inevitável e permanente sufoco da nossa capital?

Procurando encontrar uma melhor saída para a resolução dessa grave situação da capital, lhe perguntaria se em vez de se investir com tanto empenho e eficiência na Praia, se não seria melhor investir nas outras ilhas para que se conseguisse estancar de vez a verdadeira causa do problema e já agora, possibilitar também o justo e almejado desenvolvimento a todo o país.

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