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Opinião

A figura das pessoas politicamente expostas (PEP´s) no regime preventivo-repressivo da Lavagem de Capitais: duas breves notas

Por : Yury Pereira*

Nos últimos anos, assistimos, ou temos assistido, a um firme combate, por parte do Estado, ao crime. Muita tinta correu sobre os  (não muito) recentes mega-processos, de natureza criminal, julgados em Cabo Verde (e não só) envolvendo figuras públicas.

Onde resultou em condenações de pessoas, inclusive, entre o mais, por prática do crime de lavagem de capitais. E é sobre isto que queremos tecer breves comentários, tendo em conta o surgimento, no nosso panorama jurídico, da figura das pessoas politicamente expostas, ou seja, dos, comunmente, chamados de PEP´s.

Tudo acumulado ao facto de, recentemente, o Estado da Justiça, ter sido o assunto do ápice abordado na Res-publicum Conventus.

Originariamente, atendendo às várias convenções que Cabo Verde aprovou, como sejam, por exemplo, a Conveção contra a Criminalidade Organizada Transnacional (2000), a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupifacientes e Substâncias psicotrópicas (1988),  e et cetera, o crime de lavagem de capitais, foi tipificado, no nosso ordenamento jurídico, em 2002, por via da Lei nº 17/VI/2002 de 16 de Dezembro. Com a sua incriminação, que se enquadra na corrente que a Maria Fernanda Palma1 denominou de  movimento neo-criminalizador2, o legislador quis, por um lado, tutelar, de uma forma geral, o funcionamento normal e transparente das suas estruturas judiciárias e políticas. Por outro lado, pretendeu-se dar uma maior transparência ao setor económico-financeiro. Reconhecendo dignitatis poenalis a esses bens jurídicos. Todavia, passados sete anos, o legislador caboverdiano entendeu por bem, em razão da globalização, da evolução social e da própria evolução criminógena, que, cada vez mais, transcende as fronteiras, alterar a tipologia criminal, dando-lhe uma maior abrangência, nomeadamente, em relação ao seu tipo objetivo. Assim, o diploma supra referenciado foi revogado pela Lei nº 38/VII/2009 de 20 de Abril.

No âmbito da alteração legislativa ocorrida, no ano de 2016, por meio da Lei nº 120/VIII/2016 de 24 de Março, que incidiu sobre a Lei da Lavagem de Capitais em vigor (Lei nº 38/VII/2009 de 20 de Abril), que também a mandau republicar, foram “transpostas” –  usamos tal terminilogia pela sua comodidade -, para o direito interno, vários institutos.

Dentre os quais o das Pessoas Politicamente Expostas (PEP’s). A Lei nº 38/VII/2009 de 20 de Abril, absorvendo a recomendação 12 do GAFI, seguindo o rumo do curso internacional na prevenção e repressão ao crime de lavagem de capitais, incorporou-o no ordenamento jurídico interno, definindo-o, na letra da alínea t) do nº 1 do seu artigo 2º, como sendo “pessoas estrangeiras ou nacionais, a quem estão ou foram, cometidas funções públicas proeminentes, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial.”

O regime das PEP´s, está, basicamente, prevista no artigo 24º, do diploma supra citado, onde, também, estão previstas as medidas de diligências (reforçadas) que lhe devem ser aplicadas. Como sejam, por exemplo, efetuar o acompanhamento contínuo e reforçado da relação de negócio com o cliente.

Não é nossa pretensão esgotar um tema de elevada complexidade. A nossa pretensão, centra-se, apenas, em fazer duas breves notas sobre o tema em tela: i) que o estatuto de PEP adquire-se, em nosso ver, não com base em critérios de pessoalidade mas, sim, suportando-o no critério de funcionalidade, ou seja, é considerado PEP aquele que ocupar ou que exercer um dos cargos, aos quais a lei  atribua tal ‘status’, esses cargos são, a título de exemplo, os elencados na lei [vide, o estabelecido no n.º 2 do artigo 2º  da Lei nº 38/VII/2009 de 20 de Abril]; ii) que não se concebeu um limite temporal para se deixar de ter o estatuto de PEP, e, a nosso ver, o legislador andou bem, porque não nos parece que haja fundamento bastante para a sua existência, bastando para tal que deixe de ocupar as funções que a lei reconhece como merecendo o status de PEP. Pois, ainda que houvesse um “período do nojo”, as medidas de diligência continuariam a ser aplicadas, já agora não em razão da qualidade de PEP, mas sim, em razão do risco que a pessoa apresentar [vide o estabelecido no n.º 2 do artigo 24º da Lei nº 38/VII/2009 de 20 de Abril]. Excecionalmente, para as entidades que estejam sob a supervisão e regulação do Banco de Cabo Verde, esse prazo existe, e é de 12 meses (embora a alínea p) do artigo 2º do Aviso n.º 5/2017 do Banco de Cabo Verde, que estabelece tal periodo, possa induzir à interpretação no sentido de ser considerado PEP, aqueles que tenham exercido tal função pelo periodo, mínimo, de doze meses mas, pensámos que a sua ratio foi no sentido de estabelecer um limite de tempo para, ainda, ser considerado um PEP – após cessar o exercíco das funções). Portanto o limite temporal de aplicação das medidas reforçadas (em razão do risco) fica ao critério da discricionariedade das entidades sujeitas, caso não houver, regulamentação específica, por parte das entidades de regulação e supervisão, em matéria de lavagem de capitais.

*Advogado

Endnotes:

1  Vide, Maria Fenanda Palma, Conceito material de crime, direitos fundamentais e reforma penal, Consultar o link https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/TQB_MA_22910.pdf

2   Movimento esse que, segundo a mesma autora, confronta o Direito Penal com a  questão da necessidade e carência de proteção de direitos ou bens jurídicos fundamentais.  Consultar o link https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/TQB_MA_22910.pdf

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