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Opinião

“Nha Txupeta”: A voz de uma centenária que se calou

 

Por: Nataniel Vicente Barbosa e Silva

Ermelinda Gomes Varela ou, ou simplesmente, “Txupeta”, como era popularmente conhecida no Tarrafal de  Santiago,  nasceu em Achada Biscaínhos, a 24 de Março de 1913, sendo filha de Manuel Varela e de Maria Gomes.    

Ermelinda significa “escudo e serpente do deus Irmin”. O nome vem de origem germânica. 

“Nha Txupeta” foi uma pessoa muito ”partioza” (brincalhona) alegre e sempre bem-disposta. Vangloriava-se de ter memória melhor de que certa gente jovem. Recordava nitidamente do Desastre da Assistência na Praia, em 1949. Recordava, também, das grandes crises cíclicas de fome em Cabo Verde.

Sabia de cor nomes de padres antigos, que passaram pela sua Paróquia: Santo Amaro Abade. No seu quarto existia, ou, certamente, ainda existe, alguns objectos religiosos: crucifixo, terço e imagem de Virgem Maria. “Kenha  ki ka  di Grexa   pa ka ben nha kaza”.  Sentenciara, desta forma, aquando da nossa visita à sua casa, há pouco mais de um ano, por ocasião do  seu centésimo quarto aniversário.

    “Nha Txupeta” completara, no passado dia 24 de Março de 2018, a bonita idade de 105 anos, em festa, rodeada de filhos, netos, bisnetos e trinetos. 

   “Nha Txupeta” era, tanto quanto sabemos, uma das poucas centenárias no Município do Tarrafal. Contudo, no centro da cidade de Mangui, ainda existe mais uma centenária – um pouco mais velha de idade que a nossa saudosa “Nha Txupeta” -, que, segundo se diz por cá, ainda leva a sua vida normal, orientada no espaço e no tempo.

Ora, “Nha Txupeta”, ao contrário de outras contemporâneas suas, não se lançou no mundo do “Batuku” e outras actividades da época (tradição de terra), como, por exemplo, “Nha Bibinha Cabral”, que foi, como se sabe, uma figura mítica do Tarrafal.

“Nha Bibinha Cabral” foi sua companheira de jornada, embora esta seja um pouco mais velha, que, infeliz ou felizmente, não conseguiu atingir o almejado “record” dos 100.

     Recorde-se que “Nha Bibinha Cabral” faleceu aos 85 anos de idade, no Hospital “Dr. Agostinho Neto”, na cidade da Praia, vítima de doença prolongada.

    “Nha Txupeta” foi mãe de nove filhos, dos quais apenas quatro se encontram vivos. Como se costuma dizer, na vida, nem tudo são rosas.

“Nha Txupeta” também passou por várias provações. Perdeu cinco filhos, um dos quais num grave acidente de moto, ao embater num camião de carga, a poucos quilómetros da (então) Vila de Mangui, deixando mulher e filhos, um facto que, naturalmente, a teria marcado profundamente, causando-lhe, obviamente, algum desgaste no seu dia-a-dia.

  Um facto curioso: “Nha Txupeta” nunca relatava uma estória, mesmo que seja longas sem contar nos dedos da mão. Relatou-noss com uma certa graças um episódio interessante que se passou com ela, à volta de uma parturiente.

   Tendo esta dado à luz a uma criança, de forma inesperada e num lugar “impróprio”, ela, sem experiência alguma na matéria, servira de parteira, utilizando uma “laska di cariz” para cortar o “bico” (umbigo) ao recém-nascido, o tal “korta biku” como denominamos em crioulo. Foi uma cirurgia improvisada que “Nha Txupeta” soube levar a cabo – e com sucesso, diga-se de passagem! Esta cena ficou-lhe na memória até à data da sua morte, ocorrida a 8 de Outubro de 2018. Contou-nos, também, que gostava de andar a cavalo. A propósito, vamos descrever um outro episódio não menos interessante, relacionado com as festas de um casamento:

    Um dia, contou-nos: “N ba festa di un kazamentu na kabalu di nha pai, mas madrinha ka tinha kabalu i é pidin pan pistal nha kabalu, i a mi pan bai ku pe na txon. N flal, ma N ka ta pistal nha kabalu, pa mi N bai ku pé na txon. MN flal, tanbé, sé ka sabi m si nha pai da konta, ami djan fronta ku al!”.

   Resultado:  chegou à tal festa de casamento de cavalo e a madrinha a pé.

Provavelmente, a madrinha tinha menos posse. Coisas do tempo!

“Nha Txupeta” gostava do Batuque, mas o pai proibia-a de participar nessas brincadeira, mesmo sendo companheira de jornada de “Nha Bibinha Cabral”, que veio a ser uma figura mítica do Concelho do Tarrafal.

     “Nha Bibinha Cabral” era já um pouco mais velha de idade,  mas não chegou a bater esse “record”, pois,  falecera aos 85 anos. 

     Voltando ao tema do artigo: “!Nha Txupeta” viria então a casar-se na Igreja Matriz e Paroquial de Santo Amaro Abade, com Germano Mendes e tiveram cinco filhos. Contudo, antes já era mãe de outros quatro. Não recorda a data do enlace matrimonial.

    Como mencionamos já, “Nha Txupeta” faleceu em casa da família, aos 105 anos de idade, deixando quatro filhos, dezenas de netos, bisnetos e alguns trinetos.

   Aeternum!

   Paz à sua alma.

   Tarrafal de Santiago, aos 08 de Outubro de 2018.

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