PUB

Cultura

Santo Antão/Óbito: Faleceu nha Chiquinha de Manel Gualdino, figura das festas de Romaria

Faleceu hoje, na cidade da Ribeira Grande a mulher que foi uma das principais figuras das festas de romaria na ilha de Santo Antão, Francisca Josefa Silva que foi mais conhecida por nha Chiquinha de Manel Gualdino.

Recuperamos o perfil publicado pela Inforpress por ocasião do 27 de Março de 2018, dia da mulher cabo-verdiana.

Francisca Josefa Silva é o nome que consta do seu documento de identidade mas é, por todos aqueles que a conhecem e com ela convivem, conhecida por “Chiquinha de Manel Gualdino”, numa referência ao falecido marido.

Hoje com 90 anos de idade, nha Chiquinha já fez de tudo um pouco, sobretudo no ramo da panificação, mas ficou conhecida como uma figura de presença incontornável nas festas de romaria (Santa Cruz, Santo António, São João e São Pedro) em que construía espaços para a realização de bailes, bar e restaurante para servir os romeiros.

“Fiz grandes festas, com grandes conjuntos e os meus recintos eram frequentados até por artistas de nome” disse nha Chiquinha, à Inforpress, adiantando, com orgulho, que nunca houve brigas nas festas que promovia. “Porquê? Talvez porque fazia tudo legalmente, pagava as licenças exigidas e as pessoas me respeitavam”, explicou nha Chiquinha.

Essa “promotora de eventos populares” estima que terá passado cerca de 30 anos a realizar as festas de romaria e lembra o Armando Melo que a antecedeu nessas lides, mas apenas no Coculi, porque nas outras localidades foi ela quem deu o “pontapé de saída” no novo dimensionamento dessas festas.

“Supervisionava, pessoalmente, todo o trabalho de preparação do recinto desde o piso de cimento até à colocação dos prumos de madeira para o cercado” recorda nha Chiquinha que contava com a ajuda dos filhos, depois de terminarem o seu dia de trabalho, e ainda criava alguns postos de trabalho remunerado para pessoas que a auxiliavam.

“Eram cerca de três meses de festa e de muito trabalho para mim a e minha equipa” disse nha Chiquinha já que as actividades começavam em finais de Abril para a festa de Santa Cruz (3 de Maio) e terminava depois do São Pedro (29 de Junho).

“Em Chã de Pedras tive o apoio da D. Nizinha que me dava acolhimento em sua casa e me proporcionava o que precisava” recorda nha Chiquinha que, apesar disso, viu-se obrigada a deixar Chã de Pedras para passar a fazer a festa de Santa Cruz em Coculi devido a um acto de vandalismo de que foi vítima, segundo ela, “encomendado por pessoas da localidade”.

“Deixei de fazer a festa em Chã de Pedras porque algumas pessoas pagaram a um fulano para abrir água sobre o meu espaço” disse nha Chiquinha, desgostosa porque, conforme contou, começou por ver as cervejas a tremer na prateleira e pouco depois a água invadiu-lhe o espaço que tinha criado para a realização da festa de Santa Cruz.

Segundo nha Chiquinha, o próprio autor desse acto de vandalismo confessou-lhe que alguém lhe tinha dado “comida, grogue e dinheiro” para praticar o acto mas preferiu não apontar os nomes do “vândalo” e dos presumíveis mandantes.

“As más-línguas ainda disseram que teria sido o delegado do Governo da altura quem me teria proibido de fazer a festa” disse nha Chiquinha desmentindo essas “bocas” e garantindo que essa decisão foi só dela.

Além das festas de Santa Cruz, em Chã de Pedras e depois em Coculi, de São Pedro, em Boca de ambas-as-ribeiras, a mais emblemática era a de Santo António em Mão-para-Trás onde as pessoas se reuniam para festejar depois de regressarem da missa, no Paul, ao som de grupos musicais famosos, na ocasião, como são os casos, por exemplo, do Grito de Mindelo, do The Kings, do Estrela Negra, entre outros.

“Graças a Deus, sempre consegui ‘livrar’ a responsabilidade” porque “pagar cem contos nessa altura não era nada fácil”, disse a entrevistada.

“Acobardei-me depois que o Zezinho Catana matou um jovem nas imediações de Mão-para-Trás e decidi deixar de fazer as festas”, disse nha Chiquinha de Manel Gualdino que já não se sentia segura na Boca da Abóbada e entendeu que era chegado o momento de parar com essas aventuras.

“Lutei para construir a minha casa e consegui” adiantou nha Chiquinha crente de que “o que Deus tem para me dar Ele dar-mo-á aqui na minha casa”, seja com o negócio da panificação seja com os bailes populares de todos os sábados, no tempo em que os homens pagavam 20 escudos e as mulheres 10 escudos para dançarem até de madrugada.

A nonagenária Francisca Josefa Silva, ou simplesmente nha Chiquinha de Manel Gualdino, “a figura das festas de romaria”, foi sempre vista como um exemplo de mulher trabalhadora, lutadora e incansável que não se deixou vencer pela pobreza e, se fosse hoje, seria apontada como uma “grande empreendedora”.

Inforpress

PUB

PUB

PUB

To Top