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Opinião

Hurricane Season

Cipriano Fernandes

A revista “Nature” publicou, há dias, o mais exaustivo relatório, até hoje, sobre a fusão da camada de gelo da Antártida, que está a derreter a um ritmo cada vez maior, derramando agora, por ano, mais de 200 biliões de toneladas de gelo no oceano, fazendo aumentar o nível da água do mar em cerca de meio milímetro cada ano, segundo esse relatório subscrito por uma equipa de 80 cientistas.

O degelo triplicou na última década, segundo o estudo, o que vem confirmar os piores temores dos cientistas acerca do aumento do nível do mar, deixando as cidades e comunidades situadas mais próximas do nível do mar com menos tempo para se prepararem do que anteriormente pensavam.

Somente entre 2012 e 2017 a Antártida, perdeu 219 biliões de toneladas de gelo, aproximadamente o triplo do degelo de 73 biliões de toneladas de há cerca de uma década.

Inclusivamente, se se comparar os primeiros cinco anos dos registos (2002-2007) e os últimos (2012-2017), nota-se uma muito mais acentuada aceleração, de mais de cinco vezes.

De 1992 até 2017 a Antártida perdeu quase três triliões de toneladas de gelo, correspondendo a um aumento de cerca de 8 milímetros do nível do mar, tendo 40% dessa perda ocorrido entre 2012 e 2017.

Tudo indica, pois, que o mundo tem mesmo que se apressar em cortar as emissões dos gases que causam o efeito estufa, se quiser mesmo evitar algumas das piores consequências das mudanças climáticas que, por causarem o aquecimento dos oceanos, têm contribuído sobremaneira para que os furacões se tornem, cada ano que passa, mais devastadores e imprevisíveis.

Todos os anos, nos Estados Unidos, a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) declara a Estação dos Furacões (Junho a Novembro), sendo que este ano o seu Climate Prediction Center prevê 75% de probabilidades de se ter um ano normal ou acima do normal, num total de 5 a 9 furacões dos quais 1 a 4 poderão ser grandes furacões.

Ora, Cabo Verde é conhecido como o incubador dos furacões que todos os anos devastam as Caraíbas e a costa leste dos Estados Unidos. O lugar onde nascem tais furacões situa-se a sudeste do nosso arquipélago e por isso existe sempre a probabilidade elevada de, no seu percurso para ocidente, atingirem, pelo menos, a ilhas do sul.

Estamos nós preparados? Está a cidade da Praia preparada?

Este tema da preparação para enfrentar desastres naturais normalmente não é prioridade entre nós. De alguma maneira estamos, enquanto nação, anestesiados pela noção de que estamos protegidos e que os desastres só acontecem aos outros.

E, em todo o território nacional abundam sinais de descaso ou até de desafio atrevido às leis naturais, como se já estivesse divinamente decretado que jamais volta a chover a sério nestas ilhas. Falando apenas da capital:

Temos teimado em permitir a construção em altura nas encostas, que não passa, na maior parte das vezes, de expansões na vertical de edifícios que começaram com simples raspais como fundações, sem quaisquer tipos de sapatas.

Temos igualmente pensado e executado, em várias ribeiras da cidade, muros de correcção torrencial com menos de seis metros de largura, com cobertura em alguns troços, autênticos bueiros que, estamos seguros, serão capazes de conter cheias que outrora tinham dezenas de metros de largura!

Nos últimos anos, a Câmara Municipal da Praia executou um significativo programa de calcetamento e asfaltagem da cidade, aumentando em muito o seu grau de impermeabilização sem, no entanto, mobilizar recursos e vontades para preparar as partes mais baixas para o previsível acúmulo de água que necessariamente fluirá para aí. Não somente não redimensionámos as valas de recolha das águas pluviais ao longo da Avenida Cidade de Lisboa e no eixo que vai da Rotunda do Centro 1º de Maio até à ponte velha da Vila Nova, como também permitimos que estejam, ainda hoje, obstruídas por lixo.

A Ponte de Lém-Ferreira foi, há poucos anos, objecto de um upgrade aquando das obras da via Rotunda de Chã-de-Areia-Novo Aeroporto e nessa altura os engenheiros que a desenharam atenderam à evidência de que ela tinha de ser muito maior e mais alta, pois está justamente na confluência de três ribeiras importantes. E, de então para cá, nem sequer já teve o seu baptismo de fogo, pois está para ser testada por chuvas a sério, que ainda não caíram.

Como é que se explica, então, que tenhamos ido obstruir cerca de metade dessa ponte com os muros de correcção torrencial para produção de lotes?

Estes quatro exemplos são apenas sinais da anestesia que, infelizmente, tomou conta de todos nós, uma estranha resignação que não augura nada de bom, nem saudável.

Numa sociedade saudável teríamos pessoas individuais e colectivas a darem o alerta. Falando destes quatro exemplos acima, caberia à Ordem dos Engenheiros de Cabo Verde intervir, em primeiro lugar, já que estando a Ordem dos Arquitectos completamente amordaçada e manietada, ainda a aguardar nos tribunais a consumação do seu resgate, fazem falta instituições credíveis de uma sociedade civil atenta e valente para evitarmos desgraças colectivas que nos espreitam e que apenas não se consumaram até hoje por causa da misericórdia de Deus.

A cidade da Praia é, hoje, uma grande desgraça à espera de acontecer.

 

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