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Opinião

Alterações climáticas e aquecimento global

Arsénio Fermino de Pina*

Várias vezes abordei o assunto sob diversos ângulos e continuo a fazê-lo, agora segundo aspectos de que pouco se fala, muito embora a sua importância. Comecemos, por exemplo, com a influência do crescimento da população.

O Papa Francisco, no seu regresso da visita às Filipinas, falando do encontro com uma mulher filipina com sete filhos nascidos de cesarianas, de novo grávida, comentou que ela estava tentando Deus, dado que a reprodução humana não poderia ser como a de coelhos. Acrescentou ainda que nenhuma instituição externa deveria impor as suas perspectivas sobre a reprodução e a dimensão da família no mundo em desenvolvimento; as pessoas deveriam poder manter a sua identidade sem serem “colonizadas ideologicamente”. O Papa deveria, ou estar distraído, ou, como suspeitamos, então foi um piscar de olhos aos cristãos que não renegam os métodos modernos de controlo da natalidade que a Igreja, actualmente, deixou de atacar, dado que para os cem milhões de filipinos, sendo mais de 80% católicos, é precisamente a Igreja que tem sido o colonizador ideológico, opondo-se aos métodos modernos de controlo da natalidade.

Julgo não haver dúvidas de que o excesso de população é um factor que leva ao aquecimento global, pior ainda do que o excesso na criação de gado, o qual, segundo a FAO, provoca mais emissão de gases com efeito de estufa do que todas as formas de transporte – carros, camiões, aviões e navios. Se estes cálculos estiverem correctos, substituir os combustíveis fósseis por fontes de energia limpa não será suficiente. Teremos de reduzir a quantidade de gado no Planeta, corrigindo ou mudando os hábitos alimentares, o que não é fácil, por serem os ricos, de longe, os maiores consumidores de carne e seus derivados. O que raramente se menciona é até que ponto o crescimento persistente da população mundial anularia o impacto de quaisquer reduções da emissão de gases que os países ricos possam ser persuadidos a fazer.

Presumo não haver dúvidas quanto às causas do aquecimento global e ao efeito de estufa provocado por certos gases. Já sem falar na recusa dos EUA em assinar o Protocolo de Quioto e de outros acordos posteriores, é moralmente muito grave a desvinculação de Trump ao recente Acordo de Paris. O erro condenável de Trump e do seu Governo, especialmente quando há vidas em jogo, não é discordar dos cientistas, mas rejeitar a ciência como método de investigação. Continuando sem controlo o aquecimento global, as chuvas tornam-se mais irregulares, provocando secas prolongadas e cheias graves, furacões intensos mais frequentes que irão matar muita gente; o gelo polar derretido fará subir o nível dos mares inundando regiões férteis situadas nos deltas onde centenas de milhões de pessoas cultivam alimentos que consomem; as ilhas Maldivas, no Índico, e Tuvalu, no Pacífico, serão as primeiras a desaparecer, e já estão a negociar com outros países locais para emigração e fixação das suas populações. As doenças tropicais, com o aumento do calor, espalhar-se-ão matando mais pessoas. Com menos gelo ártico para refletir a luz do Sol, os oceanos irão absorver mais calor. Até agora, acrescentámos um grau à temperatura do Planeta, e mesmo assim já estamos a testemunhar efeitos tremendos: a mortandade em massa dos corais, o aquecimento no Ártico e, consequentemente, uma forte perda de gelo, a separação de enormes blocos de gelo na Antártida, incêndios de florestas, etc. O degelo siberiano libertará grandes quantidades de metano aí enterrado sob espessas camadas de gelo, com efeito de estufa muito superior ao do anidrido carbónico (CO2).

Foi o multimilionário americano Warren Buffett quem declarou, num programa televisivo do canal da CNN, que “nos últimos vinte anos esteve em curso uma guerra de classes, e a minha classe ganhou … a classe dos ricos”, isso devido ao enorme corte nos impostos (atente-se no recente enorme corte de impostos às grandes empresas americanas e milionários do Governo Trump), à eliminação da regulação bancária, de que os ricos beneficiaram durante esse lapso de tempo, além de todo o pacote de medidas políticas neoliberais, as quais fazem fi dos interesses da esfera pública e de tudo quanto não decorre das acções do mercado ou das decisões do consumismo individual. Admitir ou reconhecer que as alterações climáticas são reais e motivadas pelo efeito de estufa provocado por gases pela utilização sobretudo dos combustíveis fósseis nos meios de transporte e indústrias, seria admitir o fim do projecto neoliberal. O facto de o Governo Trump ser formado por multimilionários revela-nos, como nos diz a jornalista de investigação e escritora, Naomi Klein, no seu livro “Dizer não basta. Resistir às novas políticas de choque e alcançar o mundo de que necessitamos”, muito sobre os objectivos subjacentes da sua Administração: a Exxon Mobil, na Secretaria de Estado, a General Dynamics e a Boeing, à frente do Ministério da Defesa, e os tipos da Goldman Sachs para praticamente tudo o resto. As grandes multinacionais e os multimilionários deixaram de se servir de intermediários, passando, assim, a gerir directamente o Estado.

As perspectivas parecem sombrias, sem alternativas dentro da lógica da austeridade para quem trabalha duramente beneficiando aqueles que colhem benefícios disso. A injustiça e a ganância dos ultra ricos são tamanhas que, como nos aconselha Naomi Klein, dizer não não basta, há que resistir a essas políticas de modo a inverter a realidade escandalosa revelada pela Oxfam de oito pessoas possuírem tanto como metade da riqueza do mundo!

Fazendo umas continhas chegamos à conclusão de ser possível, sem exageros, sem provocar sangue nem diminuir as gorduras dos sumamente ricos, melhorar significativamente a saúde económica e social do mundo. Se não, vejamos:

Se se aplicar um imposto de 1% sobre os multimilionários (em vez de os baixar imenso, como procedeu recentemente Trump, incluindo os das grandes empresas), isso daria cerca de 45 mil milhões de dólares ao nível global, segundo cálculo das Nações Unidas; uma taxa de carbono progressiva – estima-se que uma taxa de 50 dólares por tonelada métrica de CO2 emitido nos países desenvolvidos angariaria 450 mil milhões de dólares anualmente; proceder a cortes nos gastos militares dos países mais gastadores (25%), libertaria 325 mil milhões de dólares anuais, segundo número divulgado por Stokholm International Peace Resarch Institute. Portanto, o dinheiro existe e só precisamos de governos com coragem para o irem buscar.

As pessoas têm de resistir, de protestar e não conformar-se com a situação. Não há que resignar aceitando um bocadinho mais de assistência médica, uma representação mitigada de mulheres nos cargos de topo, alguns painéis solares e parques eólicos que nos exploram e nem nos pertencem, promessas eleitorais que nunca se concretizam, aceitando passivamente a velha lógica de austeridade para quem trabalha duramente, a mesma fé nos mercados, a mesma aplicação de pensos rápidos a feridas abertas.

Nunca desistir e saber gerir eventuais insucessos: “ela está no horizonte … Eu avanço dois passos, ela afasta-se dois passos. Dou dez passos e o horizonte corre dois passos para a frente. Por mais que caminhe, nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Para isso, para caminhar, progredir, encontrar soluções e não estar parado a suportar cargas injustas”.

Cá entre nós: há quanto tempo nos prometeram e lutamos pela descentralização e a regionalização? Serão utopias? Mesmo que sejam, a sua prática nos ensinaria e treinaria a caminhar, a distribuir equitativamente pelas nossas ilhas instituições e serviços de qualidade que atrairiam e fixariam gente, com retorno das pessoas qualificadas que migraram para a capital, dar benefícios palpáveis, atraentes às empresas que se instalarem nas ilhas e no interior, deixando Cabo Verde de ser um Estado unipolar centrado na Praia, quando deveria ser multipolar, distribuído pelas ilhas.

Parede, Dezembro de 2017                                                                

*Pediatra e sócio-honorário da Adeco 

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