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Opinião

Em política o que parece é… ou talvez não

Jorge Santos

(A Esperança em “Cabo Verde de Esperança”)

A máxima de que, na política, faz coincidir a aparência com a realidade, encerra uma certa dose de verdade, mas apenas uma dose, pois, como sabemos, a representação ou, se se quiser, a aparência, não é uma simples imagem da realidade, mas uma sua componente, por vezes, importante.

Isso não impede que, com frequência, determinados políticos concedam tamanha importância à aparência, que, para eles, ela passa a substituir a realidade objectiva. O parecer assume importância inestimável, juntamente com o aparecer. O sorriso, a pose, a imagem são cada vez mais utilizados, não como uma embalagem para mediar uma ideia, uma proposta, um programa com algum conteúdo, mas como um fim em si, ou como forma de iludir para alcançar certos objectivos.

É o aproveitamento do poderoso condicionamento existente, no sentido de se esvaziar a dimensão tempo, negando-lhe a perspectiva histórica. É o império do imediatismo, do aqui e agora, da impressão instantânea, não reflexiva.

A imagem, a aparência, o reflexo (muito condicionado) substitui a crítica, a aferição e a razão. Com ela procura-se ludibriar a memória, fomentar a fantasia, manipular consciências.

Essa postura pode conduzir a situações perigosas e comprometer a função mediadora do partido político, pois, a partir de certo ponto, a sua credibilidade pode ser posta em causa e contribuir para se criar um delicado e insustentável vazio.

Ainda que a política do faz de conta, da aparência, do aqui e agora, não seja necessariamente antidemocrática, é certo que ela não serve aos interesses da colectividade e que abre o caminho a todo o tipo de oportunismo, porque o conteúdo, a coerência e a seriedade deixam de ser critérios de avaliação.

Existe um condicionamento que faz com que a figura e a pose do orador interessem mais do que o conteúdo da sua declaração ou argumentos. O mais importante passa a ser a imagem instantaneamente produzida, de efeito mágico. Se uma governante envolveu-se num escândalo nomeando, indevidamente, o cônjuge para um cargo importante, configurando um claro caso de nepotismo, isso é “esquecido” graças a uma bem orquestrada campanha de promoção de imagem.

Através dela reconverte-se a representação da governante que, num toque de mágica, passa a ser trabalhadora, abnegada e  freneticamente preocupada com o drama da juventude, as criancinhas desprotegidas e os idosos desamparados; e ainda encontra tempo para se entreter com os desempregados.

A máquina construtora da imagem, oleada com muito dinheiro (público), pode desviar as atenções, obscurecer a realidade, mas dificilmente conseguirá apagar a realidade dramática do país, a fome de muitas famílias e denunciada por vozes insuspeitas, as crianças abandonadas, o desemprego maciço – incluindo nele mais de 6.000 jovens licenciados – prestações sociais do INPS cada vez mais minguadas,  famílias carentes com crianças deficientes ou doenças crónicas que viram as suas pensões reduzidas, assim como trabalhadores que continuam amargando taxas de desemprego acima dos 16%, e até gente morrendo à mingua por falta de evacuação atempada para terras estrangeiras.

Durante algum tempo a máquina funciona e faz com que as distorções sejam consideradas normais ou mesmo valorizadas, a partir do recorrente exercício de escamoteamento.

O “bom político” passa a ser o malabarista da palavra. Aquele que é capaz de se desdizer da forma mais natural, de prometer mundos e fundos na campanha eleitoral e depois, com a maior desfaçatez, afirmar que não prometeu o 13º mês, que nunca prometeu o crescimento económico a dois dígitos, que também não prometeu criar «milhares» de postos de trabalho; que os helicópteros para Brava afinal eram mais caros do que o governo pensava, que os 150.000 computadores ainda vão ser distribuídos, que a falta de devolução do IUR se deve a erro no programa informático, que as casas do programa “Casa para Todos” já não são necessárias para a população da Chã das Caldeiras.

A questão da aparência é, aqui, crucial. O partido, quando não é único, tem de parecer unido.

Apesar de, nas eleições, estarem envolvidas duas Ministras e um Líder Parlamentar, de se saber que estava em jogo a escolha do candidato a Primeiro Ministro e da intensa campanha desenvolvida no país e na diáspora, mais da metade dos militantes, em condições de votar, não se deu a esse o trabalho. Preocupante, não é?!

Embora as eleições democráticas no seio do partido “maduro” não tenham sido capazes de unir essas duas partes, é preciso fazer crer que essa unidade é “ real.

É preciso dizer que, se há algum tempo, a Presidente do PAICV foi acusada – não pela oposição mas por camaradas da Comissão Política do seu Partido – de estar a usar recursos do Estado para fazer política partidária e que o “Partido não estava em leilão”, isso faz parte do passado e que esses pequenos detalhes perversos não podem comprometer a unidade do partido.

A aparência continua a imperar. Por quanto tempo? Para Cabo Verde seria bom que não durasse muito, isto é, que esses políticos mudassem imediatamente de comportamento. Mas será isso possível? Os problemas do país, as suas inúmeras debilidades, a urgência de muitas situações, não se compadecem com esta perda de tempo. O culto da aparência está a ter custos dramáticos e insuportáveis. Os graves problemas sociais que afectam milhares de famílias cabo-verdianas, os elevadíssimos níveis de desemprego, os inquietantes problemas de insegurança, as grande limitações da economia, o desespero que vai se apoderando da juventude, a terrível morosidade da Justiça e o grande impasse em que se encontra o sistema educativo em quase processo de derrapagem que, como seria de esperar condicionam a qualidade da democracia, exigem uma postura diferente.

Não deixou de ser interessante registar que, no seu discurso ao Congresso do PAICV que a consagrou, a Presidente do PAICV tenha-se debruçado (ou melhor referido) sobre questões que muito têm preocupado os cabo-verdianos, como sejam a economia, a justiça, o desemprego, a insegurança e a Juventude. Nessas áreas, o Governo, a que pertence, tem falhado redondamente, nomeadamente na Juventude e Emprego que, para além da precária área da “promoção” social, têm estado sob sua responsabilidade directa.

Isto significa que ela vai “impor” medidas de fundo que resolvam esses problemas?! Não parece que assim seja. A sua trajectória não permite apostar que ela irá para além da aparência. Poder-se-ia conceder-lhe o benefício da dúvida, mas tal não faz sentido, quando se sabe que ela é, exactamente, o produto dessa forma de estar na política, que se baseia no culto da aparência, na utilização indevida de bens de Estado (segundo camaradas) na compra de consciências (de acordo com camaradas).

Contudo, existe gente agoirenta que pensa (ou torce?) que não, que essa história pode dar para o torto, que a loiça pode quebrar-se, reduzir-se a cacos. Isso não seria bom. A instabilidade não interessa ao país.

Alguns vão, mesmo, mais longe e perguntam até que ponto a utilização, nos últimos tempos, particularmente, no acto de encerramento do Congresso do PAICV, do “hino da campanha vitoriosa” de Jorge Carlos Fonseca, “Cabo Verde de Esperança” de Norberto Tavares, foi acidental. Questionam: terá sido uma indevida e estranha apropriação, uma inocente coincidência ou um apelo (pouco) subtil ao Presidente da República?

Nenhum membro da tripulação está apto para comandar o barco, passando de oficial a capitão.

Tripulação nova, mas sobretudo de um novo capitão, é o que o país precisa.

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