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Economia Azul e Indústrias Criativas enquanto forças motoras do crescimento económico de Cabo Verde

Por: José Vaz Furtado*

É já um facto que o caminho seguro para o desenvolvimento de Cabo Verde deverá passar essencialmente pelo Turismo, mas também obrigatoriamente pela Economia Azul e Indústrias Criativas – disso, muito poucos são aqueles que duvidam.

Questiona-se, no entanto, o que têm a ver esses dois últimos conceitos – e a resposta é muito simples, têm mesmo tudo a ver. Se não, vejamos: ambos são conceitos puramente económicos, ou seja, são formas criativas que existem para desenvolver e dinamizar a economia de uma cidade, região, ilha ou de um país.

Economia Azul: filosofia e oportunidades

Pauli (2015) definiu a Economia Azul como uma filosofia em ação: primeiro, porque é onde há o melhor para a saúde e o ambiente; é mais barato e as necessidades para a vida são livres, graças a um sistema local de produção e consumo que permite trabalhar com o que você tem; segundo, porque são negócios e modelos inovadores que são capazes de trazer serviços e produtos competitivos no mercado, respondendo às necessidades básicas ao construir o capital social e melhorar a vida consciente em harmonia com o caminho evolutivo da natureza; terceiro, porque a complexidade é aproveitar, otimizando as virtudes inatas e valores e conectando o potencial inexplorado do local.

O Mar proporciona imensas oportunidades para as economias como a nossa, que é pequena, e, por isso, não dispõe de recursos suficientes para garantir um crescimento sustentável e inclusivo.

Construir uma Economia Azul é utilizar os recursos que o Mar nos oferece para assegurar um crescimento sustentável a longo prazo: “A Economia Azul tem o poder de combinar os mais altos padrões de sustentabilidade com o maior aumento de produtividade, ao gerar empregos, graças a uma mais rápida circulação de dinheiro na economia local, refere Pauli (2015).

Na perspetiva do autor, acima referido, a estratégia de crescimento económico deve traduzir-se na geração de mais valor. Exatamente aquilo que  os países desenvolvidos e aqueles com realidades semelhantes à nossa, o caso de Seychelles e Maurícias, como nações ricas, têm vindo a fazer, e, Cabo Verde, sendo um país que ambiciona e sonha em se tornar um país desenvolvido a médio-longo prazo, não pode fugir à regra.

Indústrias Criativas:  mais de 2,7 trilhões de dólares

Relativamente às Indústrias Criativas, e, há quem diga também Economias Criativas, é basicamente a possibilidade que o país tem de gerar riquezas a partir da cultura e entretenimento, fundamentalmente através de espetáculos, músicas, danças, pinturas artesanato, teatro, filmes, pesca desportiva, deportos náuticos, futebol, basquetebol, etc. Enfim, falar de indústrias criativas é também falar da tecnologia, da inovação e de negócios.

Florida (2004) considerou que a expansão conjunta da inovação tecnológica, do trabalho e do conteúdo criativo tornaram-se cada vez mais as forças motoras do crescimento económico.

Hoje, um pouco por todo o mundo, encontramos milhões de pessoas de várias áreas profissionais, e do saber, a quererem viver de forma criativa: “A criatividade é um negócio que representa na economia mundial 2,7 trilhões de dólares americanos por ano”, segundo John Howkins (2012).

Para esse autor, simplesmente ter uma ideia brilhante não interessa, o que interessa é o que você faz com ela. Ele defende que a criatividade não é algo novo, tampouco a economia, mas que a novidade está na natureza e na extensão da relação entre elas e como elas se combinam para criar valor e riqueza extraordinários.

Florida (2004) mapeou tendências, quando observou como, ainda, em 1990, as empresas de tecnologia saíam de suas sedes para procurar lugares que tinham provisão maior de indivíduos criativos e talentosos.

Ao verificar isso, ele se apercebeu logo que o crescimento económico estava ocorrendo principalmente em lugares caracterizados pela tolerância, pela diversidade e pela abertura à criatividade porque esses eram os lugares onde os indivíduos criativos queriam viver.

Esse autor considerou, ainda, que alterações por vezes sutis no modo de vida e na maneira de trabalhar aos poucos geravam mudanças drásticas no ambiente de trabalho, no lazer,  nas comunidades e no quotidiano. Segundo ele, a chave não é limitar ou reverter os ganhos que a classe criativa traz, mas estendê-los a nível global para construir uma sociedade criativa, mais aberta, mais diversificada, mais inclusiva que pode mais plenamente aproveitar as capacidades de todos os seus membros.

A título de exemplo, esse mesmo autor estimou que em 1999 o facturamento anual nos E.U.A foi de longe liderado pelas indústrias criativas, a faturar 1.950 bilhões de dólares em receitas, ou seja, mais de 40% do total global.

Esse autor destacou fundamentalmente o papel decisivo da classe criativa para o desenvolvimento económico sustentado e sustentável.

Isso para mostrar que, com formas de desenvolvimento económico dessa natureza, muito bem implementadas e coordenadas, qualquer país, incluindo Cabo Verde, pode prosperar-se economicamente.

Cabo Verde e o seu extenso Mar

Todos nós sabemos que Cabo Verde não tem petróleo, nem ouro e nem prata, mas tem um extenso Mar, que representa 99% do território nacional e com uma cultura rica e diversificada, que se forem muito bem conjugadas e aproveitadas, podem gerar riquezas e contribuir para a melhoria das condições de vida da população.Sendo assim, nada melhor do que unir povos através da cultura e entretenimento, gerando riquezas para a economia do país.

Sobre esse aspeto, podemos afirmar categoricamente que a Ilha de S. Vicente já deu o ponta pé de saída através do investimento de Samba Bathily, que construiu recentemente na Baía de Mindelo um estúdio de gravação flutuante, denominado Floating-Mansa Mindel, servindo para valorizar a nossa música e a cultura cabo-verdiana, permitindo criar pontes entre gerações e dinamizar as indústrias criativas, e, consequentemente, gerando alguma riqueza para o país.

Ainda, neste mês, a convite desse empresário Maliano, presenciamos a vinda a  Cabo Verde do famoso produtor musical norte-americano, Teddy Riley, o qual proporcionou algumas noites de espetáculos de alta performance: sendo uma realizada no restaurante Linha D’Água, na Prainha, na capital do País, e outras promovidas, na Ilha de S. Vicente, em Mindelo, no Ponte D’Água e no Floating-Mansa-Mindel, juntamente com vários artistas nacionais, presenciado e testemunhado por um público que sabe apreciar e valorizar a música e um bom espetáculo.

Teddy Riley é um Icon no mundo da música, sem dúvida, um dos maiores produtores norte-americanos e que na sua carreira já produziu músicas de vários artistas de renome mundial como Michael Jackson (I Closet), Janet Jackson, Black Street Boys, Boby Brow, Guy, entre outros.

Sabe-se que, a partir deste mês de julho, o famoso produtor passará a residir, por um período de 1 ano, em Mindelo, para promover a ilha de S. Vicente, perspetivando atrair várias celebridades para visitar e conhecer essa ilha; promover a cultura, música e gastronomia, e contribuir para gerar rendas para a economia local, e não só.

Isso é a prova mais do que suficiente que mostra que, de facto, a partir das Indústrias Criativas, paralelamente  com a Economia Azul, se pode criar sinergias para negócios criativos e inovadores, atraindo vários outros investimentos e geração de empregos criativos, dinamizando a nossa economia.

Necessidade de políticas públicas adequadas

Defende-se, no entanto, que para que se possa tirar maior proveito dessas formas e fontes inovadores de financiamento da produção da economia, os tais negócios inovadores, é preciso que haja medidas de políticas públicas consentâneas, e consequentes, e que sejam criadas oportunidades pelo Estado para a entrada do setor privado nesses setores, que exigem avultados investimentos e que o Estado, por si só, não os consegue realizar.  Em qualquer parte do mundo, o Estado, mais do que investir, cria, sobretudo, condições para que os privados possam entrar e fazer negócios.

A Economia Azul e as Indústrias Criativas são janelas como tantas outras que se pretendem abrir para o mercado nacional,  e, consequentemente, para o desenvolvimento económico de Cabo Verde.

A implementação efetiva da Economia Azul, por exemplo, requer, de entre outras medidas de políticas públicas, o contínuo reforço do capital humano; a adequação do quadro jurídico e institucional; e, fundamentalmente, a promoção de iniciativas privadas no domínio do Mar.

Parafraseando Mev Chamroo, Ex-presidente da Agência de Investimento e Consultor Sénior das Maurícias, o foco não deve estar em fazer, fazer, fazer, mas sim em fazer acontecer. Se olharmos desta maneira, todo o sistema muda: Cabo Verde tem um enorme potencial, e agora, mais do que nunca é tempo de fazer as coisas acontecerem, reforçou Mev Chamroo, numa das suas visitas a Cabo Verde.

Contudo, num momento em que vivemos uma crise económica sem precedentes, por causa da pandemia da COVID-19, em que o país se encontra ‘desesperado’ para encontrar novas formas e fontes de financiamento para garantir a produção da economia, é importante que nos aproveitemos dessas oportunidades, proporcionadas pelo Mar e pelas Indústrias Criativas, seus principais e maiores recursos tangíveis, colocando também  novamente em funcionamento a indústria do turismo.

Em relação à promoção das Indústrias Criativas, que também estão intimamente ligadas à indústria do turismo, convém ressaltar que isso depende em grande parte da retoma das viagens internacionais, e domésticas, e do retorno de entradas de capital.

No entanto, para que a indústria do turismo possa retomar os seus níveis atingidos antes da pandemia, o País terá de atingir um grau significativo de imunidade da população através da vacinação, ou seja, atingir rapidamente a meta de, pelo menos, 70% da sua população vacinada.

Outrossim, para um retorno total aos negócios normais, os principais mercados emissores de turistas para Cabo Verde, como são os casos da Alemanha, Reino Unido e Portugal, também terão que ter taxas de vacinação adequadas, o que ainda não estão garantidas. Enquanto isso, defense-se que o Estado deve continuar a subsidiar os trabalhadores culturais, incluindo artistas, músicos e os restantes profissionais equiparados, evitando ameaças de protestos e distúrbios sociais, como é o caso da marcha de protesto, realizada em Santa Maria, na Ilha do Sal, reclamando mais atenção da parte do Estado, como forma de manter viva essa classe que são efetivamente os principais atores para a promoção das Indústrias Criativas no País.

Bibliografia:

Günter Pauli, Os princípios da Economia Azul, 2015.

John Howkins, Economia Criativa – como ganhar dinheiro com ideias criativas, 1ª edição, m. Books Editions, 2012

Richard Florida, A ascensão da classe criativa, 1ª edição L& PM, 2004.

*Doutorando em Território, Risco e Políticas Públicas (DTRPP), na Universidade de Coimbra.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 723, de 08 de Julho de 2021

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