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Opinião

A Verdade de uma demissão

Por: Silas Leite

(Extraído do meu livro: “Eu, o Mar, o Sal, a (In)Justiça…MEMÓRIAS”)

 Com data de 11 de Novembro de 1994 e referência nº. 177/94. Recebi a 15 do mencionado mês, ofício assinado pelo meu digníssimo Capitão dos Portos, António Cruz Lopes, dando-me conhecimento de verba disponibilizada para a construção da Sede da Delegação, conforme extrato que se segue:

Finalmente! Água mole em pedra dura de tanto bater até que fura, professa o provérbio, lá consegui em lapso de tempo, terreno cedido pela Camara Municipal e localizado bem à frente da Baía da Palmeira. Seguir-se-ia a elaboração do projecto e consequente construção do edifício. 1995, entram e saem os meses de Janeiro a Julho, sempre à procura de notícias sobre a colocação da primeira pedra. Expectativas goradas uma vez mais, já que a verba tinha sofrido desvio para a construção da Delegação, sim senhor, mas na ilha do Fogo, segundo um ofício recebido da Direcção-Geral das Infra-estruturas Mas, com que justificação? Pela importância do Sector no Fogo, não, porque a Delegação Marítima do Sal era, juntamente com a de Santo Antão, as únicas formalmente consideradas de Primeira Classe. A propósito da Ilha das Montanhas, passou o seu Delegado Marítimo a dispor de residência e escritório devidamente apetrechado, com a construção de um prédio mesmo à entrada do cais do Porto Novo e linha arquitectónica digna de qualquer representação institucional. Acrescenta-se aqui outro facto ilustrativo da importância do Sector Marítimo na Ilha do Sal, quando da visita em 1995do então Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Carlos Veiga, ele ter referido que a Delegação Marítima do Sal merecia ser elevada à categoria de Capitania.

Embora desligado do “diz-que-diz”, certo é que rumores houveram a partir dos Serviços Centrais em S. Vicente, de que a verba destinada para a construção da Delegação Marítima no Sal, terá sido desviada para o mesmo efeito na Ilha do Fogo, pelo simples facto do Delegado Marítimo, na minha pessoa, não ser militante do Partido Político no Poder, nessa altura e em benefício do colega no Fogo, porque, ele sim, alinhava com o Partido na Situação, o mesmo acontecendo com o colega de Santo Antão. Nesse particular, nada contra, pois, louvado todo o cidadão que activa e efectivamente participa em que área for da vida pública, desde que estejam em evidência, os valores da ética e da deontologia. Tal como eles, exerci o meu direito e dever de participar como militante de Partido na oposição e noutras áreas de intervenção. A questão aqui é outra e tem a ver com os Decisores na Administração Pública, que preterindo a competência, elegem a estigmatização e discriminação em detrimento de uns versus favorecimentos em benefício de outros só e somente porque a sua afiliação partidária é igual ao deles. Esta forma de índole perniciosa e perversa que ainda hoje vai fazendo escola, agora com Partido Político diferente, vai perigando os valores da Democracia, tão dura e sacrificadamemte conquistado pelo Povo Cabo-verdiano e com consequências imprevisíveis, porquanto, perante cenários de subestimação, de iniquidade e desigualdade social. E para vincar a minha discordância, acabei mesmo, por abdicar de militância político-partidária.

Com a saída do António Cruz Lopes como Capitão dos Portos de Barlavento, acho eu, em princípios de 1995, esfumadas ficaram as expectativas e perspectivas antes criadas e que a passos de tartaruga, lá iam ganhando corpo, Toma-se como exemplo, desse pres­sentimento, a verba de construção do edifício da Delegação Marítima do Sal desviada para outra ilha. Manuel Monteiro, também ele, Oficial da Marinha Mercante, foi quem lhe sucedeu no referido cargo. Percebendo dos bloqueios impostos pelas hierarquias superiores, acabou no espaço de pouco mais de 7 meses por colocar o cargo à disposição. Antes porém, teve ele ainda tempo de visitar em missão de serviço, a Ilha do Sal, da qual, revelou incredulidade e indignação face aos paupérrimos recursos da Delegação Marítima para a plena execução das suas atribuições e ter ainda proporcionado uma acção de formação em “Processo Disciplinar” a todos os Delegados Marítimos de Barlavento e decorrido em S. Vicente. Iniciativa inédita, já que se tratava da primeira vez que se juntavam os Delegados Marítimos. Num mesmo espaço, de trabalho.

O início de funções do novo Capitão dos Portos, na pessoa de José Pedro Mariano no segundo semestre do ano de 1995, quase coincidiu com a colocação de três polícias marítimas na Delegação sob a minha jurisdição. Como não podia deixar de ser, já lhes havia providenciado alojamento onde ficaram instalados à chegada no Sal. Cumpria-se assim, outro desiderato rumo à revitalização do Sector Marítimo naquela ilha.

À laia do seu antecessor o novel Capitão dos Portos, José Mariano, visitou a Ilha em Outubro de 1995 para, igualmente se inteirar do funcionamento da Delegação e inventariar as necessidades para resolução. Da visita, resultaram, desde logo, duas medidas: apoio no contacto com o Director Aduaneiro, visando a cedência de um compartimento para a instalação provisória da Delegação e cuja transferência se processou dias depois e ordem para embarcar a viatura de serviço a S. Vicente, a fim de ser reparada e retornar ao Sal em um mês o mais tardar

No tocante ao compartimento ocupado no edifício da Alfândega, logo à entrada do Porto da Palmeira, aponta-se como único ganho, a privacidade com a despartilha de espaço com pessoas particulares, uma vez que u mesmo era mais pequeno em dimensão, cerca de 20 m2. Quanto à viatura, nunca mais voltou a desembarcar no Porto do Sal. Vezes sem conta, seja por via documental, seja por via de contacto telefónico, tentei explicações e esclarecimentos junto do CPB, José Mariano, mas quase sempre goradas. Ele nem respondia ou comentava os meus ofícios e relatórios nem conseguia conversar com ele. A este propósito, sugeriu-me um funcionário da Capitania para contactá-lo pelo telefone do “Café Lisboa” que era onde ele mais parava nos horários de serviço.

Ocaso da viatura só veio engrossar ainda mais a lista de perdas e prejuízos da Delegação Marítima e do seu representante. Meses antes, tinha-me sido informado verbalmente pelo Secretário de Finanças de que, afinal, vinha eu percebendo um salário superior ao estipulado no Orçamento do Estado para 1995 e que a partir de Janeiro daquele ano, passaria eu a receber o novo salário com a diferença de 17.000$00 para menos. Esta situação levou-me a endereçar exposição ao Director-Geral do Orçamento e depois à Ministra do Mar, mas sem nenhuma resposta de retorno.

A situação ficou ainda mais problemática e insustentável. Era preciso continuar a garantir o funcionamento da Delegação e a sobrevivência do seu representante e família, constituída por esposa e dois filhos em idade escolar, conforme adiante explicitado em documento enviado ao Tribunal de Contas.

Faltava ainda mais um episódio para que a “tempestade” ganhasse força e entrasse na rota do salve quem puder. Em Dezembro de 1995, deu entrada na Delegação um ofício, por sinal, subscrita pêlo CPB, José Mariano, solicitando proposta de distribuição de verbas para o ano de 1996. Motivo de regozijo. A priori, já que se tratava da primeira vez que os Serviços Centrais assim procedia, Aleluia, sinal de mudança, matutei! Porém, tudo não passou de falso alarme, porquanto, bem um tostão sequer destinada à Delegação Marítima do Sal no ano de 1996!!! Custa mesmo a acreditar, mas é a mais pura verdade!

Ainda que miseráveis e sempre por decisões unilaterais das hierarquias superiores, a Delegação teve até ao ano de 1995 as suas verbitas. Só para se ter uma ideia do tratamento indigno que o sector marítimo merecia dos poderosos, a verba anual para Deslocações era de 15.000$00.Entretanto, era um dos sectores mais solicitados, para além das actividades quotidianas, a dar resposta em casos de difícil e delicada intervenção, dos quais se exemplifica os seguintes:

Assistência a 2 pescadores desaparecidos em 9 de Setembro de 1995. Estando eles na pesca em embarcação de boca aberta, foi-me comunicado a ocorrência e de imediato encetei a operação de busca e de salvamento, recorrendo a meios de terceiros. Encontrados à deriva por outra embarcação de maior porte, os pescadores foram desembarcados na Vila de Santa Maria.

– Assistência a 18 pescadores, abandonados pelo navio de pesca espanhol “El Cristobal” no Porto da Palmeira em Outubro de 1994. Procurado pelos 18 pescadores, todos eles, furiosos e desnorteados, tive, depois de acalmá-los, de encontrar solução para os alojar e alimentar, já que os seus pertences estavam retidos no navio. Durante 5 dias, permaneceram no antigo quartel militar denominado “8/24”, gentilmente cedido pelo Comando Militar do Sal, até o seu embarque para a Praia no Navio “Mar-Lima”

Situação idêntica com 11 pescadores abandonados pelo navio de pesca “Noroeste” em Maio de 1995.

– Intervenção no caso do cadáver encontrado no Iate “Styx” na zona marítima de Algodoeiro em Outubro de 1995. Recolhidos os meios logísticos, tais como, rebocador da ENAPOR e tripulação requisitada, Médico-legista, máscaras de oxigénio junto da ASA, desinfectantes na Delegacia de Saúde, 2 Agentes da Polícia Judiciária, 4 militares e 2 cidadãos estrangeiros para a condução do Iate à Baía de Santa Maria, lá se conseguiu com muito empengo, o sucesso da operação de levantamento do cadáver que se encontrava em completo estado de decomposição. Foram precisos 4 coveiros pontualmente recrutados para o levantamento, sob pena da operação ter sido mal sucedida e de consequências imprevisíveis. Estávamos no período do surto de expansão da cólera!

-Assistência a 7 portugueses em consequência do naufrágio do navio Internacional “Alpes III” na Costa da Boavista em Junho de 1995. Resgatados e levados à Ilha do Sal por navio estrangeiro passando em águas de Cabo Verde, procedeu-se ao transbordo dos 7 portugueses, numa operação efetuada a cerca de 4 milhas do Porto da Palmeira. Sem dinheiro, nem documentos consumidos pelo mar, durante o naufrágio, consegui alimentação e alojamento a crédito no Hotel Atlântico. Com a chegada do Armador e após 3 dias de assistência, seguiram viagem aérea para Portugal.

Assistência ao proprietário do Iate “Horn Blower” assaltado no porto da Palmeira em 14 de Dezembro de 1995. Cerca das 4 horas de manhã, fui acordado da cama por 5 pessoas, incluindo o assaltado de nacionalidade alemã, comunicando a ocorrência. Amordaçado e com arma apontada na nuca, o mesmo foi obrigado a conduzir o Iate até à saída do Porto, quando, aproveitando alguma distracção dos assaltantes, lançou-se ao mar e nadou até à praia. Feitas as diligências, o Iate foi encontrado já abandonado por embarcação de pesca e restituída ao dono. Quanto aos assaltantes, foram identificados e capturados 2 suspeitos que por insuficiência de provas, acabaram por ser expatriados,

– Desmantelamento do navio de pesca “Olínpia Sérgio” em Novembro e Dezembro de 1995. Após vários anos encalhado na praia do porto da Palmeira e as diligências no sentido do Armador retirá-lo dali, a solução foi desmantelá-lo. O mesmo vinha servindo de sanitário a céu aberto e perante os riscos de insegurança e saúde pública na área balnear, esta foi a melhor alternativa encontrada para a resolução do problema, quanto mais não seja, devido também ao surto de colora que já havia ceifado a vida de 2 cidadãos naquela Vila.

– Extinção de incêndio no navio de pesca “Baía de S. Jorge” na baía de Santa Maria em princípios de 1997.Domingo, 5 horas de manhã, informado sobre o incêndio que se deflagrou no referido navio e entre outras embarcações fundeadas na baía, de Santa Mária, para lá me desloquei e após tenaz esforço para reunir as condições necessárias, como motobombas, 3 botes e 8 homens, deu-se o incêndio por extinto por volta das 13 horas. De seguida, a parte que restou do navio foi rebocada e colocada no findo do mar, evitando assim, o perigo à navegação.

Com a devida permissão neste espaço, o intercalo o extracto de uma entrevista concedida por Jornalistas no dia 11 de Fevereiro de 1998 ao Primeiro-ministro, de então, Carlos Veiga e num momento em que me encontrava suspenso das minhas funções a aguardar desfecho dos processos disciplinar e criminal que me foram instaurados. À pergunta do Jornalista “…E em relação à Delegação Marítima o que é que pensa fazer…?”, respondeu assim o Primeiro-ministro:

“…Eu disse em 1995 que pensava com a dinâmica do Sal, a Delegação Marítima tem que ser elevado de nível em termos de recursos para que possa desenvolver a sua missão que é fundamental numa zona marítima de forma mais eficiente…Portanto, vamos estudar com a Senhora Ministra do Mar…ver os recursos que é possível afectar, de facto reforçar as condições de funcionamento da Delegação Marítima…Está mal instalada, tem poucos recursos…creio que é preciso melhorar a situação significativamente…” (gravado em fita magnética e peça de prova factual em de defesa em processo-crime).

É mais que evidente pelas declarações proferidas pelo Primeiro-ministro, Carlos Veiga, a veracidade do estado indignificante em que se encontrava a Delegação Marítima. Também inédito a visita de um Primeiro-ministro à Delegação Marítima do Sal, contudo estranho, por acontecer justamente numa altura em que estou impedido de exercer funções.

Continuando com a verdade e só a verdade, entremos, agora sim, nos bastidores da “tempestade”. Nos finais de Agosto e já a terminar o gozo das férias em S. Vicente, atendi chamada telefónica de um dos Agentes da Polícia Marítima destacados na Delegação do Sal, informando-me sobre uma visita do Capitão dos Portos, José Pedro Mariano. Perguntei-lhe o motivo da visita e disse-me que tinha a ver com cadernetas de contas. OK…Sugeri ao Agente no sentido de colaborarem no que fosse preciso. Ele, o Capitão Mariano soube do caso das cadernetas de receitas, através de um outro Agente que passava a vida a reclamar de tudo e de todos, mas, sendo ele um mal menor, escuso-me de mencioná-lo. Mantive sempre todos os Agentes a par da situação por que passava a Delegação. Na sua atitude maléfica e de conluio com o José Mariano, o mesmo acabou, por fazer-me um grande favor, ao facilitar-me o caminho que mais cedo ou mais tarde, só podia ir dar aos TRIBUNAIS, na lógica de quem não deve não teme, reforçado ainda com o sentimento de indignação profissional que me ia na alma.

Voltando ao CPB, José Mariano, ficou patente a sua atitude covarde e oportunista. Quando foi preciso visitar a Delegação com o seu Representante por perto e dar resposta às prementes necessidades, agindo de forma contrária quando lhe sonegou a viatura, finalmente, apareceu só e apenas com o intuito de me ferrar, Mas, vamos ao caso das cadernetas em documento de contestação e esclarecimentos ao Tribunal de Contas:

 

 

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