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Opinião

SOFA: Por detrás da cortina

Por: Emanuel Brito*

Uma análise realista, mostra que Cabo Verde não precisa de tropas estrangeiras, estacionadas no seu território.

Não há notícia de força militar que esteja preparando uma invasão do nosso país. E enquanto não nos envolvermos em conflitos de um aliado, podemos estar tranquilos.

Cabo Verde não é alvo do terrorismo. Poderá sê-lo, se permitir a presença de militares estrangeiros no seu território. Devemos encarar o terrorismo, como um risco, dada a nossa proximidade geográfica em relação ao Mali; mas, sem tropas estrangeiras no país, basta-nos uma legislação forte e uma troca eficaz de informações de segurança, para prevenirmos a movimentação de organizações terroristas.

A maior ameaça sobre Cabo Verde é o narcotráfico. E vamos dando conta do recado, sem militares estrangeiros estacionados no nosso território. Veja-se, por exemplo, a operação Príncipe III, uma operação de risco, levada a cabo pela nossa PJ e a nossa Guarda Costeira. Não houve recurso a militares estrangeiros. E veja-se, ainda, as operações Voo da Águia, Rainha da Prova, Lancha Voadora, Zorro, todas elas executadas sem apoio de militares estrangeiros.

Precisamos de apoio estrangeiro, no patrulhamento do nosso mar, de modo a reduzir a entrada de cocaína. Para tal, temos acordos com os seguintes países: Espanha (2008), Reino Unido (2010), Portugal (2013) e Estados Unidos (2014). Vimos realizando operações conjuntas com meios navais, desses países e nenhum deles, à excepção dos Estados Unidos, solicitou «estabelecer presença no nosso território».

A pesca ilegal é um ilícito marinho. Não é uma ameaça militar. Para fazer frente a esse ilícito, precisamos investir mais na nossa Guarda Costeira e na nossa Polícia Marítima. Podemos combater a pesca ilegal, sem que para tal tenhamos de permitir o estabelecimento de uma presença militar estrangeira.

O nosso sistema de protecção civil é frágil, inconsistente. Haja em vista, por exemplo, o naufrágio do navio Vicente. Mas vimos avançando. Temos um Centro de Busca e Salvamento, o COSMAR, uma Guarda Costeira, com o Guardião, o Dornier e Fuzileiros navais; precisamos de um helicóptero. O recurso a meios estrangeiros tem sido sempre possível: aquando do naufrágio do Vicente, Portugal e França ajudaram-nos com meios aéreos.

O país enfrenta outros desafios como a criminalidade violenta, (os homicídios e os assaltos à mão armada), o desaparecimento de pessoas e o tráfico humano. Nenhum deles requer o recurso a militares estrangeiros. E, contrariamente ao que ouvimos de uma diplomata estrangeira, não temos grupos de piratas, nem de contrabandistas.

Dito isto, que sentido tem a assinatura de um estatuto de forças militares estrangeiras, que cria o quadro legal para a instalação de uma base militar?

Base militar

Por base militar entende-se «qualquer estabelecimento que sirva para alojar pessoal militar e armazenar o seu equipamento».

Quando o SOFA refere que o pessoal dos Estados Unidos da América pode «estabelecer presença no território da República de Cabo Verde» (e, por pessoal, o SOFA indica forças militares e empresas americanas, contratadas pelo Departamento da Defesa dos EUA); que os EU podem dispor de «instalações de armazenagem e de treino», em Cabo Verde; e operar sistemas próprios de telecomunicações, utilizando todo o espectro de radiofrequências necessário; e quando refere, ainda, que os meios navais, os veículos e as aeronaves dos EUA podem entrar, sair e circular livremente no território do nosso país; o SOFA dá enquadramento legal a todas as componentes de uma base militar, multi-operacional.

Disse o embaixador dos Estados Unidos na Praia, em comunicado distribuído, publicamente, que «este novo acordo prevê as disposições e autorizações necessárias para que os militares dos EUA possam realizar actividades dentro e a partir de Cabo Verde — conforme acordo mútuo – para responder a possíveis crises na região». Salvo o devido respeito por opinião diversa, perspectiva-se, assim, estabelecer em Cabo Verde uma base de operações dos EUA, direccionadas para a Costa Ocidental africana.

Tendo em conta o articulado do SOFA, pode-se concluir que este Acordo colide com a Constituição da República, designadamente, com o seu Artigo 11º, número 4: «O Estado de Cabo Verde recusa a instalação de bases militares estrangeiras no seu território». Nunca utilizando a expressão «base militar» o SOFA indica, todavia, todas as componentes de uma base militar.

Abre-se caminho, desta forma, para o estacionamento de forças militares americanas no território nacional, sem que esteja, suficientemente, claro o imperativo dessa medida de política, que altera, substancialmente, o conceito estratégico do Estado de Cabo Verde. O país deixa de priorizar a diversificação das parcerias, para se aliar a um Estado.

Revisão da Constituição 

Com o exercício da NATO, «Steadfast Jaguar 2006», realizado no nosso território, demonstrámos a nossa utilidade, no plano da segurança internacional. Cabo Verde é cada vez mais visto como uma plataforma de segurança internacional, no Atlântico Médio oriental. Fazemos parte do losango estratégico constituído pelos arquipélagos da Macaronésia e do eixo estratégico Mauritânia-Angola. Graças ao nosso poder funcional e à nossa estabilidade política, somos uma referência, na geopolítica da região oeste – africana.

Na sequência do «Steadfast Jaguar 2006», Cabo Verde deve continuar a projetar-se geopoliticamente. Terá mais patrulhamento marítimo na sua ZEE e no seu mar territorial, melhor troca de informações de segurança, parcerias mais eficazes na obtenção de meios e na formação de pessoal, visando todas as instituições relacionadas com a segurança nacional.

E pode contribuir, acolhendo exercícios multinacionais e fazendo parte de dispositivos operacionais, da região. 

Ou será que a melhor forma de Cabo Verde contribuir é permitir o estabelecimento de uma base militar americana no seu território?

Se a ideia é uma base militar, deve –se promover a revisão da Constituição. Não parece que este SOFA seja a melhor via para que o país passe a permitir o estabelecimento de uma presença militar estrangeira.

Do nosso ponto de vista, o legislador constitucional tem andado bem nesta matéria. E os Governos têm apostado, com sucesso, na diversificação de parcerias.

Rezam a história e a geopolítica que a segurança de um pequeno estado é melhor conseguida, com a sua inserção em grandes espaços e a diversificação das suas parcerias. A aliança com uma grande potência pode levar ao seu arrastamento em conflitos dessa potência, à atração de inimigos e, até, à sua submissão aos interesses da mesma.

Como qualquer estado, a grande potência defende sempre e, prioritariamente, os seus interesses, inclusive contra seus aliados. Portugal teve uma aliança com a Grã-Bretanha, que foi útil por altura das invasões francesas; mas essa aliança não impediu o humilhante «ultimatum»: canhões de navios de guerra britânicos, apontados ao Terreiro do Paço, exigindo que Portugal se retirasse do «mapa cor-de-rosa», atual Zimbabwe.

O país deve aprimorar a sua resposta às ameaças e aos riscos que impendem sobre a sua segurança. Mas, para isso, não precisa de uma base militar estrangeira. Basta-lhe reforçar o seu sistema de segurança nacional.

* Tenente-Coronel

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