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Opinião

HUB: Opção ou oportunidade?

Por: Jorge Lopes

Conceito e definições

A desregulamentação e todas as alterações ao mercado do transporte aéreo suscitaram, no plano global, o surgimento de novos conceitos, que demandam compreensão compartilhada. Alguns deles – aeroportos hub, spokes e as bases operacionais – são importantes para companhias aéreas e, portanto, também para a TACV.

Hub (do inglês), plataforma giratória de voos ou centro de conexão são designações atribuídas ao aeroporto do Sal, quando se pretende que seja utilizado pela TACV como ponto de conexão para transferir os seus passageiros para o destino final pretendido.

Hub é o contraponto do sistema designado como “ponto a ponto”, onde os passageiros viajam diretamente da origem ao destino em operadoras de baixo custo (LCC).

Isso para dizer que o conceito não está diretamente associado e nem decorre de uma infraestrutura aeroportuária, em si mesma, mas é antes, uma opção estratégica de uma operadora de transporte aéreo. Contudo, os aeroportos Hub, por definição, trabalham para criar economias de escala ao reunir as demandas, para, depois as combinar e distribuir por destinos e voos regulares.

AIAC:  HUB da TACV

Histórico

A visão de Hub entrou na agenda do país em 2003, momento em que se refletia sobre o futuro do Aeroporto Internacional Amílcar Cabral no Sal face aos novos desafios da aviação civil, com o desenvolvimento das tecnologias aeronáuticas e o início da “era de voos de longo curso” que, por consequência, deixavam evidente a tendência de comprometimento da vocação de “Aeroporto de escala técnica” para voos intercontinentais.

Na verdade, entendeu-se que a instalação de um Hub seria uma das componentes da valorização da posição geoestratégica de Cabo Verde, de que tanto se vinha falando desde a nossa independência.

Muitas das condições imperativas para esse desiderato foram gizadas e implementadas, destacando-se a qualificação do setor através de várias certificações como, por exemplo, a atribuição da Categoria I à aviação civil cabo-verdiana pela FAA. 

O boom verificado no desenvolvimento do turismo a nível global, com o aumento exponencial da procura e, sobretudo, a apetência para a “descoberta” de novos destinos, contribuiu para uma “transição suave”, sem hiatos ou ruturas significativas da vocação de “aeroporto de escala técnica” para a de “aeroporto de destino”. É certo que, para isso, terá contribuído, significativamente, as iniciativas de modernização das infraestruturas e da regulação do sector da aviação civil, na linha das melhores práticas internacionais.

De Hub “natural” a Hub designado

Um HUB “Natural”

O aeroporto do Sal foi, durante parte importante da sua história, um Hub “natural” da TACV, quando era o único ponto de entrada e de saída dos cabo-verdianos para o exterior do país (exceto as saídas para Dakar a partir da Praia). Não havia outra opção.

Essa função de “Hub Natural” foi desempenhada concomitantemente com a sua vocação de aeroporto de escala técnica. Serviu as rotas intercontinentais Europa/América do Sul e Africa Ocidental/América do Norte e Central e as Caraíbas, tanto em terra como no ar. 

Não se tratava de um sistema Hub desenvolvido em todas as suas valências e funções e, por isso, apresentava constrangimentos acentuados seja para a companhia seja para os passageiros. Para estes, os constrangimentos traduziam-se na duração, no desconforto e nos transtornos com a bagagem, gerados pela viagem.

Apesar de ter sido marcada pela maior crise de todos os tempos da aviação civil global, a década de 2000 trouxe também boas novas para o setor em Cabo Verde. Entraram em funcionamento mais três aeroportos internacionais, na Praia (2005), na Boavista (2007) e em S. Vicente (2009), acontecimentos que, por si, introduzem uma nova configuração no itinerário de viagem dos cabo-verdianos. Vale dizer, neste particular, que a companhia aérea nacional mostrou algumas dificuldades de adaptação a essa nova realidade.

O AIAC deixou de ser o Hub “natural” da TACV para os passageiros nacionais com a entrada em funcionamento dos novos aeroportos internacionais, particularmente o da Praia que, de certa forma, assumiu essas funções, ao concentrar a maior parte das entradas e saídas dos cabo-verdianos para o exterior.

Os novos aeroportos tiveram impacto imediato nos fluxos turísticos para Cabo Verde, com destaque para o da Boavista, e proporcionaram mais qualidade e novas opções de viagem para os cabo-verdianos.  Qualidade sim, pois, desde logo, deixou-se de fazer trânsito (Hub) no Sal para entrar ou sair do país, o que representou um grande alívio para os passageiros, tendo em conta todas as dificuldades, desencontros e constrangimentos a ele associados.

Desafios de “Oportunidade”

No ano 2002 e nos dois seguintes, surgiram OPORTUNIDADES ÚNICAS para o resgate da função de HUB, mas desta vez com características e contornos distintos dos de Hub “Natural”. Isso, paradoxalmente, num momento conturbado para o transporte aéreo nacional e devastador para o transporte aéreo a nível mundial, na sequência dos ataques terroristas do 11 de setembro nos EUA de 2001.

Coincidentemente e por razões diversas, a Air Afrique, que vinha de uma situação de crise cíclica muito difícil, não resistiu à recessão da indústria da aviação após os ataques de 11 de setembro e acabou por ser liquidada no início de 2002.

Com o desaparecimento da companhia aérea pan-africana, propriedade de muitos países da África Ocidental e transportadora transnacional oficial da África Ocidental e Central francófona, abre-se uma grande janela de oportunidade para a TACV que, não obstante as dificuldades, gozava de algum prestígio na região.

Outrossim, o Acordo de Yamoussoukro de 1999 introduziu a política de “Céu Aberto para Africa” no domínio da aviação civil, sobretudo no que respeita à “Quinta Liberdade” e criou um quadro legal facilitador para o aproveitamento do potencial do mercado de transporte aéreo da sub-região oeste-africana.

E neste contexto, em 2002, foi tomada a decisão estratégica de aproveitar e potenciar essa grande oportunidade a nível do mercado regional. No entanto, o Senegal tinha a mesma visão e perseguia objetivos idênticos.

As restrições e as dificuldades encontradas (de resto, fortemente ampliadas através de desmedida politização) impediram que esse desafio continuasse a ser perseguido. Com um número reduzido de aparelhos e sem uma estratégia definitivamente bem delineada, esse desafio tinha que passar por fortes investimentos que a TACV, sozinha não podia, de forma alguma, comportar e os tempos (década de 2000) não eram propícios para o surgimento da almejada “parceira estratégica”.

Desafios de “conjuntura”

A terceira vaga/tentativa de um Hub no Sal volta a aparecer no quadro da elaboração do DECRP III, em 2012, que propõe uma nova abordagem da economia nacional através do desenvolvimento de Clusters de competitividade. Em 2015, foi aprovado o Plano Estratégico do agronegócios que considera o Hub como um dos eixos estratégicos, mas combinado com um conjunto de outros eixos que, desenvolvidos em rede, permitiriam aumentar os fluxos de procura e aumentar a atratividade da rede aeroportuária nacional, do AIAC que seria transformado numa Free Trade Zone. 

Em 2016, com a companhia de bandeira a viver um momento de grandes dificuldades, o novo executivo elege a instalação do Hub como a prioridade da sua estratégia de desenvolvimento dos transportes aéreos. O Governo e a TACV anunciaram fazer do aeroporto do Sal, o Hub para transporte de passageiros.

O foco anunciado do Hub a ser instalado pela TACV, no SAL, é “fazer a conexão e distribuição de passageiros entre a Europa e a América Latina e entre a América do Norte e a África.” Foi igualmente anunciado que esta operação seria, no seu primeiro ano, garantida por 11 aviões Boeing 757 que teriam já em Janeiro de 2018 a sua base operacional no Sal.

O aeroporto do Sal foi também escolhido como base operacional. Ou seja, nele a TACV vai basear as suas aeronaves, tripulação e serviços de apoio à sua operação.

 

Esse tipo de escolha, regra geral, fundamenta-se em fatores como logística e facilidade na rotação das aeronaves, eventuais Incentivos do aeroporto à operação, etc.

O contexto e a conjuntura atuais são outros. Especialistas da indústria aérea sugerem as seguintes principais tendências da indústria para os próximos tempos:  queda de preço do combustível, companhias de baixo custo (LCC), superando as transportadoras regulares, mudanças através de consolidação e de alianças e terceirização de tarefas de ponta.

O advento dos operadores de Low-Cost (LCCs) introduziu grandes alterações nos modelos de transporte. Essas companhias aéreas operam em redes ponto-a-ponto puro e têm tido um grande sucesso económico, levando muitas companhias aéreas regulares, com modelos de hub, a repensar as suas estruturas de rede.

A evolução dos dados estatísticos dessa indústria em Cabo Verde espelha, de certa forma, esta tendência. O Boletim estatístico de tráfego da ASA, de 2017, dá conta de que pelo aeroporto do Sal passaram, nesse ano, 1.092.789 passageiros (embarcados, desembarcados e em trânsito) dos quais 911.119 internacionais. Mais de 80% desses passageiros foram transportados por operadoras de baixo custo (LCC) em voos charters.

O número de operadores aumentou consideravelmente e é mais diversificado. De acordo com o mesmo boletim, em 2017, a TACV saiu do ranking top 10 no AIAC, com uma quota de mercado de 2,1% quando, em 2016, era de 8,7%. Isso decorre da estratégia da campainha em transferir vários voos internacionais para o AIPNM (da Praia).

A demanda do aeroporto, sobretudo associada ao fluxo turístico, tem evoluído a taxas consideráveis e começa a haver sinais de picos de saturação em matéria de disponibilidade de slots (Slot é um direito concedido pelo aeroporto, que permite aos operadores agendar um desembarque ou partida durante um período de tempo específico).

Todavia, para compreender o potencial de sucesso do HUB importa conhecer alguns dados do plano de negócios: quais são os aeroportos spoke DEFINIR do HUB da TACV? Quais são as rotas e as frequências? Qual a previsão inicial e de crescimento de passageiros em conexões, pela TACV, no AIAC? Que tipo de aliança, nomeadamente para o escoamento de passageiros, se tem a companhia com a BINTER, a transportadora doméstica única? Qual a oferta competitiva para passageiros de aeroportos spoke com alternativas de ligações diretas (de companhias low cost) com o aeroporto de destino? Qual a oferta para passageiros com outras alternativas de Hub, altamente competitivas?

Os meandros do negócio não são publicamente conhecidos e estas questões, por enquanto ficam sem resposta. No entanto, a escolhida “parceira estratégica” parece estar de saída quando ainda nem são conhecidas as condições contratuais de entrada no negócio da TACV. O que se sabe é que tem sido uma fornecedora privilegiada de serviços de gestão da empresa, por um lado e de Lease de aeronaves por outro.

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