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Opinião

Olhar 15

Natacha Magalhães

Entre as coisas bonitas que acontecem, há as absurdamente incríveis capazes de provocar ruídos que não podem ser ignorados. Quem deles duvida, que preste mais atenção às redes sociais.    

1. Às vezes precisamos de parar um pouco para obrigarmos o pensamento a desviar-se para outras coisas. Coisas que nos mostrem que a meio a tanta turbulência, há voos que se fazem mais suaves e com rotas mais “rentáveis”. Sim, há coisas bonitas acontecendo também, à margem e que muitas vezes nos passam despercebidas porque ficamos absorvidos por coisas outras.  Estive há duas semanas na ilha da Boa Vista. Pude observar a dinâmica e as oportunidades ocultas de uma das ilhas que mais contribui para o PIB nacional. Uma ilha que pelas receitas que gera para os cofres do Estado deveria merecer uma outra atenção das autoridades que gerem este país. Mas prometo que não vou falar da Educação, da Saúde e tao menos das infraestruturas e da Segurança. Não irei discorrer sobre o ex-ciclo preparatório transformado em liceu e que há anos espera a sua vez de se ver mais digno. Lembro-me agora que em 2014, o anterior governo tinha anunciado a ampliação e reabilitação do liceu e de facto fez-se: uns remendos aqui e ali com os milhões do Fundo do Kuwait. Mas a ilha que a cada dia recebe novos “moradores” precisa de um liceu de raiz. Pronto, não resisti. Prometi que não iria falar de coisas menos bonitas. Mas a educação é uma coisa bonita. A saúde é necessária e também nesse setor, a ilha precisa médicos, principalmente de especialistas. Na impossibilidade, ao menos que se crie uma parceria público-privada que assegure que quem não tenha condições de pagar por consultas privadas de especialidade possa ter acesso a cuidados de saúde a valores suportáveis. Não ficaria mal um outro nível de atendimento porque chegam ruídos de falta de humanização no atendimento prestado aos que procuram aquele espaço para aliviarem dores, físicas e emocionais. É preciso também sentir o norte. Sim, o Norte da Boa vista existe. E como celeiro da ilha, precisa de ser integrado no seu desenvolvimento. Os nortenhos reclamam, há anos, por uma melhor estrada que os ligue à Sal Rei. A viver numa ilha montanhosa, onde há ainda varias localidades encravadíssimas, eu diria que a estrada norte-vila não é uma urgência. A prioridade é um posto policial. A ilha deixou de ser pacata e o Norte enfrenta problemas de insegurança, com assaltos e roubos a residências, furtos de animais e vandalização de espaços públicos, como recentemente aconteceu com o posto sanitário de Fundo das Figueiras. É preciso um policiamento de proximidade, logo, um posto policial para o norte da Boa Vista.

2. Pronto. Agora sim, as coisas bonitas. A promoção da cidadania e a valorização de um povo faz-se também pela via arte e da cultura. Para além de ocupar, a arte faz as pessoas sentirem-se valorosas na sociedade. Assinalo algumas iniciativas positivas nesse aspeto. Na Boa Vista, na Praia, no Paul, no Maio. Na Boa vista, o jovem tarrafalense Rony promove a dança e criou um grupo ao qual quase nada falta. Têm talento, imaginação, criatividade, ousadia. Talvez lhes falte um pouco mais de chamariz para que o país inteiro veja que também ali, há gente que faz e faz bem. Também se faz teatro e o grupo que adaptou os contos infanto juvenis “o lago misterioso” e “A cada bruxa a sua vassoura” merece ir à Teatrolândia, a programação infantil do Mindelact. Em Achada Grande Frente, o programa de arte urbana, denominado de Xalabas, assente numa conceção de intervenção pública e de colaboração e diálogo com os residentes, está a mudar o rosto do bairro e a transforma-lo num “bairro da arte urbana”, até agora, único em Cabo Verde. Em Paul, na Pontinha de Janela, um grupo de universitários, liderados por uma professora Celeste Fortes, oferece a comunidade uma biblioteca comunitária e permite que os seus moradores estejam mais próximos aos livros. Em Tira Chapéu, na cidade da Praia, nasce mais uma, fruto da vontade e do trabalho de dois jovens. No Maio e em São Domingos, meninas e meninos aprendem a musica e a tocar instrumentos musicais graças ao programa Bolsa de Acesso à Cultura. E assim, se educa, se humaniza, se valoriza e se inclui.

3. Em comunicação há aquilo que chamamos de ruido. Às vezes, eles são isso mesmo, apenas ruídos, sem importância maior. Não lhe devemos dar, por isso, grande significado. Porém, quando já são demasiados ruídos, capazes de se tornarem num estrondo, temos que parar e escuta-los, pois, são reveladores de que há coisas que não vão bem. Por esses dias, temos tido grandes ruídos. E por causa deles, dou por mim a refletir sobre um ponto relevante: a sociedade cabo-verdiana não é assim tao pacifica. Desenganem-se. Há participação sim. Ela apenas não se manifesta nas ruas como se faz nas democracias consolidadas. Não somos um Brasil que saiu ás ruas quando assassinaram Marielle Franco; nem uma Angola que teve um grupo de mulheres e homens a marchar contra a criminalização do aborto. Aqui, a cidadania se faz nas redes sociais e estes são espaços, por excelência, da expressão da voz do povo, seja para criticar, se indignar ou apoiar. E nenhum político deverá, por isso, escudar-se desse aspeto. Caberá às assessorias de comunicação, estarem atentas e irem acompanhando o posicionamento da Opinião Pública relativamente a diversos assuntos.

4. O novo logotipo dos TACV é um dos grandes ruídos do momento. Entre a comunidade dos designers nacionais, virou paródia nacional. Não se fala de outra coisa.  O tema deu origem a memes e a um concurso sobre o logo mais ridículo, onde não faltam imaginação e criatividade dos jovens. Até comentários, alguns e tom jocoso, atestam esta escolha “singular”. De facto, coisas como essas deixa-nos com a impressão de que alguém anda a insultar a inteligência desse povo. Não se consegue descortinar nos dizeres a azul “Cabo Verde Airlines” sobre um fundo branco algo capaz de, como explicou a administração da companhia, ligar o logo às ideias de “natureza, casas, bandeira” ou à outros “elementos que refletem as ilhas do país” ou que “espelha os novos valores e missão da companhia” que se quer “única, autêntica e sofisticada” e que ainda mostre  que “a cultura cabo-verdiana que está na génese da Cabo Verde Airlines, de tal modo que será possível aos passageiros “sentir mais a cultura cabo-verdiana. Não percebo de design, mas de comunicação sim, pelo que se estarei perdendo capacidades de ler o subliminar, digam-me por favor.

5. Cinco milhões. Foi quanto o Fundo do Turismo ofereceu à organização dos Cabo Verde Music Awards. Bem, que fique bem claro: não somos contra os CVMA, não obstante se considerarmos que oito anos depois poderia estar bem melhor na sua organização e longe de polémicas em volta de categorias nomeados e escolhas de elementos para o Júri – não passou despercebido a escolha de Djô da Silva, quando se conhece da sua ligação à artista Elida Almeia, nomeada e vencedora em algumas categorias -, nem muito menos contra eventos culturais privados serem apoiados por fundos. Mas quando o dinheiro sai de fundos públicos, a coisa muda de figura. Torna-se legítimo querer saber dos fundamentos de uma tal medida. Em 2015, foi a indignação (quase) geral quando veio a público a noticia de que o Fundo do Ambiente teria financiado mais de uma centena de associações, alegadamente ligadas ao partido que governava o país na altura. Na altura, uma boa parte da sociedade cabo-verdiana se posicionou contra essa e outras alegadas ligações e financiamentos, que até hoje estão por provar. Agora, cabe-nos igualmente questionar sobre as razoes que levam o FT a oferecer tão substancial quantia a um evento que teve outros patrocinadores. Lendo o argumento da Cabo Verde Trade Invest, mais baralhados ficamos. É que se o presidente da Camara Municipal do Sal diz que vem empregando os fundos do FT para requalificação das cidades, eliminação de barracas, reabilitação de postos de saúde, ou seja, projetos em benefício das comunidades e do turismo, como aceitar fundamentos como que os CVMA contribuem para “a promoção da imagem do país”, promovem o destino cabo Verde juntos a operadores turísticos estrangeiros e geram mais investimentos nesse setor? Que retorno é esse que a partida não se consegue enxergar? Expliquem-nos e acabem com os ruídos.

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