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Opinião

Funções de Delegado Marítimo no Sal (2): (Extraído do meu livro “Eu, o Mar, o Sal, a (In)Justiça…Memórias) Funções de Delegado Marítimo no Sal (2)

Silas Leite

A minha situação profissional era caracterizada pelo pão que o diabo costuma amassar e colidia com a minha vida em particular. A simpatia e outros valores do bem-estar social vindo das gentes de Santa Maria e toda ilha do Sal no geral tanto me contagiaram, ao ponto de ter adaptado precocemente as novas circunstâncias.

Santa Maria tinha sido durante o regime colonial o centro de toda administração da ilha do Sal. Com a sua transferência para os Espargos, a vila perdeu fulgor e além de silhuetas arquitectónicas que retractavam o quotidiano do passado passou a dispôr com actividades principais da indústria hoteleira para o turismo, da pesca, e quanto muito a exportação do sal em navios estrangeiros do Zaire e que a partir da metade dos anos oitenta, caiu em completa decadência. A própria movimentação de navios mercantis, deixou de aportar na vila e os portos da Palmeira e Pedra Lume passaram a ser os beneficiários. Pois tornou-se muito imperiosa a transferência da sede da Delegação Marítima para o Porto da Palmeira que há cada dia aumentava o fluxo naval.

Já em marco de 1983 aparecia- me pela frente o meu primeiro caso de monta para resolver. Tomado conhecimento do desaparecimento de três pescadores durante a faina piscatória em embarcação de boca aberta, na área marítima da Palmeira, dirigi-me a boleia para a referida zona onde encontrei aglomerado de pessoas junto ao pequeno molhe acostável, precisamente a falar sobre o assunto. Contactei com os responsáveis das instalações da Shell que de imediato prontificaram- se em colaborar com uma pequena embarcação na busca dos três desaparecidos. Faltava reunir, pelo menos três improvisados tripulantes para comigo fazermos ao mar. Depois de sondada os mais diversos pontos de pesca e no mar com ondas que metiam medo, dei ordens para voltarmos ao ponto de partida, sob pena de se aumentar o número de desaparecidos para a sede. De regresso ao pequeno molhe, fomos informados de que haviam sido encontrados destroços da embarcação na costa da Baía da Murdeira mas sem sinal dos três desaparecidos.

Caso 2: Intervenção em Maio de 1984, numa briga envolvendo dois pescadores, cada um empunhando a arma branca e no momento em que se preparavam para seguir viagem a ilha de Boa Vista, na embarcação de pesca da lagosta “Camélia”. Este caso foi-me dado a conhecer, de imediato ainda no meu escritório, pelo mestre da referida embarcação. Saí com o mesmo em direção a Ponte de atracação e ali, face a situação de continuado de conflito, ordenei a prisão dos dois pescadores, que atrás de mim me acompanharam até ao Posto Policial. Ali ficaram durante dois dias, momento em que lutei forte apaziguamento dos ânimos e tive que apelar ao diálogo pedagógico. E em boa verdade, esses aqui não mais voltaram a incomodar e tornando os dois mais disciplinados na sua vida profissional.

Caso 3: Recuperação do corpo já sem vida de um pescador, em Junho de 1984,na baía de Santa Maria, após longas horas de busca. Durante a faina de pesca, o bote, ocupado por duas pessoas, capotou devido a uma onda, e como consequência, a morte por afogamento de uma delas por não saber nadar e recuperado do fundo do mar.

Caso 5: Desencalhe dos navios de pesca “Coral” e de Recreio “Nauzica”, na Praia de Santa Maria, derivado do mau estado do mar e vento. Foi preciso uma atitude persuasiva junto da comunidade da zona para que a operação fosse bem – sucedida. Com a drenagem manual de areia, utilização improvisada de materiais e cabos sustentados por alguns homens em outro navio no mar, lá se conseguiu colocar de novo os navios na água, evitando assim que os mesmos permanecessem na Praia e provocassem a perda do ganha-pão de algumas famílias.

Entre outros casos não rotineiros e de somenos importância, realça-se que em nenhuma das intervenções se registou qualquer custo para os cofres do Estado. Os constantes apelos através de Ofícios, relatórios e outras vias junto das hierarquias superiores para a dignificação do Sector Marítimo na Ilha e seu Representante resultaram sempre infrutíferos durante a minha gestão de Setembro de 1982 à Setembro de 1988. Sequer se deu atenção ao pedido de instalação de um telefone. A verba de deslocação anual foi sempre atribuída unilateralmente no montante de 10.000$00!!!!!!!!!!.Em qualquer momento se registou alguma visita de trabalho das Chefias. Eis, pois, alguns dados que opunham o esforço e profissionalismo de um face ao desmazelo de outros, mais preocupados com a comodidade dos seus gabinetes.

SINDICALISMO

Em Janeiro de 1984, já cansado de inverdades, decidi mudar de residência e desta vez sem carácter de esmola. Passei a pagar uma renda de 9.000$00, cujos comprovativos foram sempre guardados comigo. Os Anos iam passando. E continuava a prevalecer a situação de comodismo dos serviços centrais da Direção Geral de Marinha e Portos, não obstante, o resgatar de alguma ordem, disciplina e visibilidade frutos do meu esforço e da minha perseverança em defesa do bom nome da Administração Marítima Salense, convite de trabalho comecei a receber de algumas entidades como por exemplo: para chefiar os serviços de protocolo ou de instalar e representar a Delegação de Trabalho ou de enveredar pelo mundo do sindicalismo. É nesta fase de reflexões e de tomadas de decisões que culmina a minha integração em regime de comissão de serviço no quadro da UNTC- CS– União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde corria o ano de 1988 mais concretamente em Setembro. E para ganhar melhor bagagem e formação sindical, fui em Maio do mesmo ano selecionado para viajar a Hungria, onde, juntamente com outro contemporâneo e colegas de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé, recebia a primeira injeção de conhecimentos do espinhoso mas dignificante mundo do movimento sindical.

Por coincidência, a passagem da delegação marítima para área portuária da Palmeira foi quase em simultâneo com as minhas novas funções. E por esta razão, além de mudar a residência para a vila dos Espargos já com mulher e filhos, reiniciei os meus estudos interrompidos por cumprimento de serviço militar. Com esta decisão, estaria eu a ganhar pontos nas mais diversas direções. Primeiro por satisfação pessoal e com claros objectivos de galgar outros degraus no futuro. Segundo como uma resposta a preocupação da minha mãe, e numa espécie de promessa cumprida, e terceiro, porque foi – me dada esta motivação por dirigentes sindicais, meus superiores hierárquicos que, na sua óptica, podia mais tarde, caso viesse eu a estudar direito garantido por Bolsa de Organizações congéneres estrangeiras e em colaboração com a UNTC-CS. E assim, para não perder mais tempo, matriculei-me em aulas nocturnas, em cinco das nove cadeiras do 11º Ano. Em duas temporadas lectivas, completei o secundário com muitos sacrifícios, mais este desafio era sair do trabalho às 18 horas, e ganhar alguma energia com pequeno lanche em casa, entrar nas aulas às 19 horas e sair às 23 horas para às 5 de manhã, aproveitar bem esse tempo real para estudar.

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