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Sociedade

Inspeção detecta irregularidades no Cofre do Tribunal da Praia

O responsável do Cofre do Tribunal da Comarca Praia, Ricardo Gonçalves, nome indicado para ser o novo presidente do Tribunal de Contas, é acusado pela Inspeção Geral de Finanças de movimentar “indevidamente” largas somas de dinheiro da conta “Preparos e Custas” do Supremo Tribunal de Justiça, juntamente com o seu secretário. Os dois visados defendem-se, como podem, das conclusões da IGF.
A escolha de Ricardo Gonçalves para ser o novo presidente do Tribunal de Contas, sucedendo José Carlos Delgado, pode estar por um fio. Ao que A NAÇÃO conseguiu saber o processo da sua nomeação encontra-se já na Presidência da República, mas, pelos dados apurados durante o seu desempenho enquanto responsável do Cofre do Tribunal da Comarca Praia, tal nomeação poderá estar comprometida.
Em Setembro de 2016, a ministra da Justiça, Janine Lélis, solicitou à Inspecção Geral de Finanças (IGF) uma auditoria ao Cofre do Tribunal da Comarca da Praia (CTCP), com incidência sobre os exercícios de 2013 a 2017 e com o foco na arrecadação de receitas e na realização de despesas. Na sequência dessa auditoria, foram detectadas várias ilegalidades e irregularidades na gestão do cofre.
Segundo o projecto de relatório da IGF, que A NAÇÃO teve acesso, Ricardo Gonçalves, presidente do CTCP, e José Pedro Furtado Graça, seu secretário, movimentaram “indevidamente”, através das suas assinaturas, a conta de “Preparos e Custas” do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), fazendo pagamentos no valor de mais de sete milhões de escudos (7.465.765$00) e utilizando 47 cheques da referida conta e duas ordens de transferência.
Os auditores consideram anómalos e com erros de contabilidade vários dos pagamentos efectuados pelo CTCP na conta bancária do STJ. Isto porque “não foram apresentadas razões plausíveis que justificassem tantos erros grosseiros, sem que fossem detectados pelos responsáveis do Cofre do Tribunal da Comarca da Praia, do STJ e, sobretudo, do Banco Comercial do Atlântico”.
Segundo o relatório, os responsáveis do CTCP “não conseguiram explicar” como e quando tiveram acesso a cheques do STJ. “Requisitaram pelo menos quatro módulos de cheques e emitiram duas ordens de transferência e 47 cheques e afirmam que em momento nenhum se aperceberam que se tratava da conta do STJ”.
O relatório diz, por exemplo, que, no pedido de transferência nº 21/2015, “o documento indica o valor numérico de 5.000.000$00, diferente do valor por extenso de quinhentos mil escudos”. Mesmo assim, estranha, “foram transferidos cinco mil contos sem verificar, naquele período, nenhuma situação que justificasse a necessidade de transferência de 5.000.000$00 para a conta de Preparos e Custas do CTCP”.
Segundo a mesma fonte, os pagamentos foram efectuados na conta bancária domiciliada no BCA, em momentos e balcões diferentes, através da emissão de 47 cheques e duas ordens de transferência, alegadamente, “sem serem detectados pelos colaboradores do referido banco”.
Movimentos estranhos
A auditoria relata ainda que o CTCP utilizou “irregularmente” quase onze  milhões de escudos (10.782.387$00), da conta de Preparos e Custas do Tribunal da Praia, para o pagamento de despesas. “À data de auditoria encontrava-se por regularizar a quantia de 8.182.387$00”.
Os inspectores constataram, igualmente, que a conta de Preparos e Custas do Tribunal da Praia, que apresentava a 31 de Outubro de 2017 um saldo de 181.478.442 escudos, “não está a ser objecto de uma gestão e controlo adequado, devido a inexistência de registos contabilísticos e da respectiva reconciliação bancária. Existe ainda, nesta conta, vários pagamentos cujos documentos justificativos não foram identificados”, pelo que a equipa de auditoria “não descarta a possibilidade de existência de outros valores utilizados indevidamente no pagamento de despesas que não foram detectadas”.
Receitas e impostos retidos
Diante do constatado e apurado, o relatório de auditoria da IGF diz que informações referentes às receitas arrecadadas enviadas pelo CTCP ao Cofre Geral de Justiça “não são fiáveis”. E aponta que “não foram contabilizadas receitas no valor de 5.825.569$00 e foram contabilizados de forma errada, os valores retirados indevidamente da conta Preparos e Custas do Tribunal da Praia”.
Os auditores constataram ainda que não foi transferida para os cofres do Estado a quantia apurada de 6.253.269 escudos, referente à retenção do imposto de selo, assim como o montante de 1.995.384$00, que deveria ser transferido ao INPS, resultante da Taxa Social Única retida aos oficiais de Justiça. E não foi também efectuada a transferência de 17.796$00 de IUR-PS retido aos oficiais de justiça, como também não se procedeu à retenção na fonte sobre os serviços contratados, num total de 7.333.752$00. Tudo isso numa clara violação à lei.
Despesas realizadas 
Enfim, o relatório de auditoria considera que o CTCP realizou despesas com pessoal, aquisição de activos e serviços no valor de 8.307.290 escudos que, “por não constituírem despesas do cofre, violam o disposto no artigo 53º do regulamento do Cofre Geral de Justiça”.
E mais, os auditores consideram “ilegal” os adiantamentos de salário e empréstimos concedidos aos colaboradores no valor de 162 mil escudos, “embora estejam regularizados, não configuram atribuições do CTCP”.
Os inspectores constataram ainda que foram pagas gratificações no valor de 52 mil escudos, “contrariando o disposto no artigo 52 do Decreto-lei 9/2013, que aprova o Plano de Cargos Carreiras e Salários para a administração pública, visto que estas não estão incluídas nos suplementos remuneratórios previstos”.
Contraditório
No exercício do contraditório, através de um documento de 18 páginas, o presidente do CTCP, Ricardo Gonçalves, diz, em relação aos pagamentos efectuados pelo cofre na conta do STJ, que foi com a “mais absoluta estupefação” que tomou conhecimento deste facto. “Em sã consciência jamais assinaria um cheque que não fosse do deste tribunal. Fiquei a saber desse facto pelos senhores inspectores e o sr. secretário garantiu-me que também, não sabia  disso e acredito nele”.
Gonçalves garante que mal teve “conhecimento do sucedido”, enviou vários e-mails à gerência do BCA a pedir explicações. “Não souberam explicar de imediato e prometeram apurar o que aconteceu. Ainda aguardo por uma explicação”.
Esse magistrado diz ainda que solicitou um encontro com a presidente do STJ, a quem expôs a situação, reiterando que não faz a mínima ideia como esses cheques chegaram ao Tribunal da Praia. “Nunca emitiria, de forma consciente, qualquer ordem de transferência nessa conta, nem requisitaria cheques relacionados com tal conta. Se tivesse conhecimento desse facto ordenaria de imediato a sua devolução e pediria esclarecimentos. O movimento da referida conta através, também da minha assinatura, bem como a requisição de cheques respeitantes a essa conta aconteceram com o desconhecimento em absoluto de que se tratava de uma conta do STJ”, garante.
O presidente do CTCP esclarece ainda que os cheques chegam a ele “para serem assinados devidamente preenchidos e com a assinatura do senhor secretário. Por ser uma pessoa da minha inteira confiança, aponho a minha assinatura nos referidos cheques”. “É-me absolutamente impossível e a todos os níveis inexigível a confirmação dos cheques, um por um, por forma a saber se são do Cofre do Tribunal ou de preparos e custas e muito menos ainda, saber se pertencem a uma outra entidade, in casu, o STJ”, alega.
Ricardo Gonçalves diz, contudo, não estranhar o facto de enquanto presidente do Cofre do STJ não se ter percebido desses movimentos, porquanto “só os senhores secretários do Tribunal da Comarca da Praia e do STJ, bem como o BCA poderiam dar conta de tais movimentos e nem eles souberam, por sinal, em tempo, de tal anomalia. Daí que concordo plenamente em como esta situação, que me é absolutamente alheia e desconhecida, deva ser cabalmente esclarecida!”
Em relação à ordem de transferência com o valor numérico de “5.000.000$00” e por extenso de “quinhentos escudos”, o presidente do CTCP afirma que “cabe ao secretário esclarecer por que razão, precisando ele de quinhentos mil escudos e tomando conhecimento de que foi depositada a quantia de cinco milhões de escudos na conta do Cofre do Tribunal, não procedeu à imediata devolução da quantia remanescente. Em momento algum informou-me o senhor secretário desse facto”.
No seu contraditório, Ricardo Gonçalves esclarece outros factos relacionados com movimentos efectuados na conta de preparos e custas do CTCP, assim como das receitas e impostos retidos e das despesas realizadas.
E em relação à movimentação de cheques do Cofre do STJ, o secretário José Pedro Furtado Graça garante, por seu turno, que esses cheques foram constatados com a chegada da inspeção. “Até agora ainda não percebemos como é que requisitando cheques do CTCP recebemos cheques do STJ”, defende-se.
Sobre a transferência de “cinco milhões de escudos”, em vez de “quinhentos contos”, o secretário alega que a pressão era tanta por parte dos magistrados, que solicitavam o pagamento atempado dos subsídios, para evitar sucessivos pedidos de empréstimos, optou por deixar o montante transferido (cinco milhões de escudos), “com o objectivo de vir, posteriormente, assim que a conta do CTCP tiver melhores dias, começar, de forma parcial a fazer as restituições devidas, considerando que os valores em causa não fazem nenhuma falta, falando do ponto de vista de urgência, à conta de preparo e custas”.

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