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Opinião

Centro Comum de Vistos: atendimento e funcionamento

Rafael Marques de Oliveira

Em março, apesar de estar à espera da resposta de um pedido de antecipação do agendamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em Portugal, vim para Cabo Verde.

Após a minha chegada, o SEF deferiu o meu pedido de antecipação, ficando para 21 de março. No entanto, por impossibilidade de poder comparecer à marcação, tentei organizar uma nova data ou manter a antiga, 6 de julho.

Já na cidade da Praia, decidi voltar a visitar os meus amigos e ex-colegas na Bélgica, país onde ‘fiz’ residência de outubro de 2016 a outubro de 2017, a realizar um estágio extracurricular e a trabalhar na doutrina jurídica, jurisprudência europeia e afins de um certo relatório recentemente publicado pela Comissão Europeia.

Assim, decidi requisitar um visto uniforme no Centro Comum de Vistos (CCV), tendo como Estados-Membros de destino Portugal e Bélgica. A finalidade deste visto seria, além de visitar amigos e ex-colegas, atravessar as fronteiras externas e internas sem quaisquer inconvenientes até que a renovação da autorização de residência estivesse completa.

Em 16 de abril, por entender que ‘‘não foram apresentadas as justificações do objetivo e das condições para a estada prevista’’, o CCV indeferiu o pedido. Para o meu espanto, perguntei ao funcionário no atendimento o que seriam as ‘‘justificações do objetivo e das condições para a estada prevista’’, pois é onde lhes permite maior manobra e apesar disso, acreditei ter preenchido e satisfeito tais. Este, infelizmente, não soube me responder com certeza, relevando um desconhecimento na matéria e, por discordar, reclamei da decisão de indeferimento.

Assim como as autoridades que ali trabalham, também fui treinado no acervo Schengen e outras políticas da União Europeia, tanto a nível da doutrina, análise e litígios.

Para determinar se a um pedido de visto não se opõe um motivo de recusa, implica avaliações complexas na elaboração de prognósticos sobre o comportamento previsível do referido requerente e num vasto conhecimento do país de residência deste último e no exame de vários documentos, cuja autenticidade e veracidade do conteúdo deve ser verificada, assim como das declarações do requerente, cuja fiabilidade deverá ser apreciada, como impõe o Código de Vistos.

Essa análise deve ser especialmente minuciosa.

Apesar de as autoridades beneficiarem de uma ampla margem de apreciação relativamente às condições de aplicação das disposições do Código de Vistos e à avaliação dos factos, a intenção do legislador da UE de atribuir uma ampla margem de apreciação às referidas autoridades resulta da própria redação dos artigos 21.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, do Código de Vistos, disposições estas que obrigam essas autoridades a ‘‘avaliar [se existe] um risco em termos de imigração ilegal’’ do requerente e a proceder ‘‘com especial diligência’’ relativamente a determinados aspetos da situação deste.

Não existe um direito subjetivo à emissão de um visto; mas este, apesar da ampla margem de apreciação, só poderá ser recusado dentro dos motivos de recusa enumerados no artigo 32.º do código e o fundamento escolhido deverá ser válido e verídico.

Mas ao proceder à análise, existe um risco em termos de imigração ilegal na acepção do Código de Vistos? Como sublinhei ao CCV, pela leitura atenta e diligente do meu pedido de antecipação do agendamento ao SEF e das fotocópias entregues dos meus três vistos anteriores, sendo dois deles para o Espaço Schengen e ambos por motivo de estudos no Ensino Superior, é de fácil constatação que desde 2011 estudei em Portugal. Possuo já na minha esfera jurídica querendo, o direito a naturalizar-se e a obter um passaporte português.

Fazia sentido vir a Cabo Verde e em menos de um mês requisitar um visto para depois estar ‘‘ilegal’’ quando tenho direito à renovação da autorização de residência, à nacionalidade portuguesa por naturalização e já se encontrava antes em Portugal? Seria um insulto alegar tal facto, além de contra intuitivo, demonstrando uma grande precariedade na análise ‘‘minuciosa’’ e tomada de decisão dos pedidos de visto que têm feito.

Mas não acaba aqui. Há cerca de uma semana, antes de ter voltado a Portugal, dirigi ao CCV para obter a resposta da reclamação do indeferimento (ou da ‘‘carta’’, termo que utilizam para suavizar e distanciarem-se da obrigação legal de resposta da mesma que têm para com os utentes). Os funcionários, incapazes de reproduzir qualquer resposta por escrito, transmitiam somente a mensagem de que eram ‘‘ordens dos seus superiores’’ ser assim, dizerem oralmente e que a ‘‘decisão manteve-se’’.

Mas pergunto, desde quando é que os responsáveis pelo CCV passaram a estar acima da lei portuguesa e dos princípios e normas (dever de fundamentação, princípio da decisão, princípio da justiça, etc.) que regem o direito interno português (i.e. direito administrativo) que lhes é aplicável? Digam-me, desde quando é que a lei lhes entregou tal poder de poderem ignorar por completo a reclamação (‘‘cartas’’) que as pessoas têm feito e se recusarem a responder às ditas cartas quando a lei impõe-lhes o dever de pronunciarem-se sobre as mesmas e por escrito já o utente assim o ter feito e requerer? ‘‘Fazem’’ isso aos cabo-verdianos porque sabem-no que os meios de defesa contra tais abusos encontram-se um pouco além do imediato alcance dos cabo-verdianos (recurso hierárquico ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português e ação num tribunal administrativo em Lisboa).

O propósito desta exposição não é o de atingir a imagem do CCV mas de dar-vos a conhecer o que se tem realmente passado e se passa ou como certas regras funcionam ou deveriam funcionar. Das minhas várias interações com o CCV, o serviço de atendimento chegou até a prestar-me informações incorretas e fê-lo na presença de vários utentes.

Se um serviço de atendimento que é a cara de todo um serviço mostra-se incapaz de poder dar certas respostas ao público, como será então o restante desse serviço? Estará o CCV no seu todo à altura das exigências e vicissitudes que rondam a interpretação do Código de Vistos e Código das Fronteiras Schengen e assim poder de facto analisar com a especial diligência os pedidos de visto apresentados? Estará mesmo a fazer a análise especialmente minuciosa e sentir-se capaz de representar vários Estados-Membros da União Europeia, assim como têm afirmado estar a fazer? Digo-vos, uma vergonha.

Como poderão defender-se a si e aos vossos direitos se o próprio serviço que lhe atende mal sabe qual o prazo para a decisão de uma reclamação, por exemplo, ou se é ou não é o direito interno português que se lhe é aplicável? Ou mesmo quando por lei é-vos garantido o direito à resposta da reclamação e devendo ser esta emitida no prazo máximo de 30 dias?

Se grande parte de nós e nossos representantes cruzarem os braços e fecharem os olhos perante esta situação, estes disparates e abusos continuam e continuarão a acontecer em Cabo Verde. Isto já é um tema recorrente e é altura a quem de direito em Cabo Verde começar a agir e que o faça com firmeza.

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