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Opinião

Não é verdade, nós não temos o dever de ser competitivos!

António Carlos Gomes

Não é verdade, nós não devemos ser competitivos!  E, não o devemos ser porque a sociedade não é um jogo de soma nula e porque recai sobre cada um de nós a responsabilidade de participar na construção do bem-comum. Devemos, sim, ser cordatos, sensatos, reservados, sensíveis, cooperadores, solidários, altruístas, profissionais, honestos e humanos. Devemos, pois, rejeitar a proposta de um jogo viciado da sociedade cujo desfecho é determinado pela correlação de forças, pelo cálculo e pela racionalidade económica (sobretudo a neoliberal). Não deveríamos, pois, estar empenhados na construção de uma sociedade armadilhada pela febre do resultado, da “performance” e pelo lucro que nos convida a jogos de cinturas e nos impõe o medo e o estresse da incerteza do futuro face a impossibilidade de sermos os melhores.

Na verdade, devemos, apenas, ser “Profissionais” sem qualquer preocupação de ser melhor do que o parceiro, mas tendo sempre presente que nos incumbe o dever de elevar a nossa capacidade de escuta, de observação, de previsão, de análise, de execução e de avaliação numa perspetiva de bem-servir a sociedade onde estamos inseridos.  Cultivar-se, e não competir, é a condição para construirmos uma sociedade sustentada por laços sociais e não por cães raivosos prontos a devorar aqueles a quem julgam ser ameaça a realização dos seus objetivos pessoais.

A sensatez, a solidariedade, a cooperação, o altruísmo e o humanismo são valores que, por exemplo, nos permitem aperceber que as receitas do turismo na Ilha do Sal deveriam servir primeiro, e antes de tudo, aos nossos concidadãos que vivem nos bairros de Terra-boa, Alto João e Alto Santa Cruz. A competitividade, neste caso, obrigar-nos-ia a recorrer ao discurso de que um tal gesto de humanidade resultaria na criação de dependência enviando falsos sinais as famílias de que o Estado vai resolver todos os seus problemas e que se deve, portanto, criar condições para que as pessoas resolvam os seus problemas. Este é, sempre por exemplo, o discurso muito utilizado pelos praticantes de aquela religião que adora “Mercado” o deus ex-machina e que aniquila, dentro de cada um de nós, a empatia quando não a nossa própria humanidade. Sim, é preciso um pouco de humanismo para se aperceber que o mercado não sabe e não pode resolver a equação Terra-boa.  Ou ainda que os seus residentes não são competitivos para o crédito habitação.

A busca e a seleção do melhor, de entre todos nós, erode a coesão social pela exclusão dos “menos” competitivos e dispensa a necessária cooperação para a realização de projetos de interesse comum. E, esta exclusão cria nos “menos” competitivos, os perdedores, o sentimento de que não têm parte no concerto social vigente.  Este sentimento de exclusão dá origem a uma anomia raivosa que desemboca, por vezes, na violência. A intensidade desta fratura depende do grau da perceção que se está, ou não, a participar num jogo de cartas marcadas.  Há bem pouco tempo, um jovem licenciado disse-me: “Eu não tenho um bom apelido. Foi assim no passado, e está sendo assim no presente.”

Uma sociedade, como a nossa, com pretensão de combater a desigualdade, cria oportunidades, reconhece os direitos sociais e não promove a concorrência macabra que transforma o espaço social numa arena de lutas implacáveis para a garantia do acesso a riqueza nacional. “Pouco importa o que as pessoas pensam de mim. O que me interessa é conseguir os meus objetivos”. Disse-me alguém que, neste momento, exerce uma função aliciante. E porque havia margem, apenas lhe respondi que nós não temos que ser katxás e lembosca para realizar os nossos sonhos e que, portanto, há limites que devemos impor a nós mesmos. Na verdade, a ordem para sermos competitivos num contexto de escassez de oportunidades, como é o nosso caso, está a transformar a sociedade cabo-verdiana numa selva governada pela lógica “comer ou ser comido” na origem da atitude “pouco importa o que as pessoas pensam de mim”. É o homo economicus no estado puro e a seleção natural na sua forma caricatural.  Caricatural porque há quem, depois de ter ganho uma corrida de cem metros, contra alguém que vem no carrinho de rodas, levanta a taça se abstendo da humildade que a circunstância exige.

Não deveria ser assim, pois a solidariedade, a cooperação e o bom senso devem ser o leme da nossa postura na sociedade, mas, para tal, terá que haver oportunidades para sermos simplesmente homens – homo sociologicus- e não homo economicus.

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