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Política

Há um salto qualitativo nas relações entre Angola e Cabo Verde

O Primeiro-Ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, está em Angola desde sábado para uma visita oficial. A realização de encontros bilaterais ao mais alto nível com individualidades angolanas, reuniões com empresários e visita à comunidade cabo-verdiana residente no país são os pontos altos da primeira visita de Ulisses Correia efectua, enquanto Primeiro-Ministro, a um país africano.
Em entrevista concedida ao Jornal de Angola na cidade da Praia, poucos dias antes de se deslocar à Angola, o Chefe do Governo de Cabo Verde ressaltou a importância de promover o reforço das relações bilaterais, comerciais e do diálogo político com vista ao desenvolvimento de mecanismos eficazes de cooperação que sustentem uma almejada parceria estratégica diversificada. Ulisses Correia não avança receitas para o aprofundamento dos laços históricos entre os dois Estados, razão pela qual diz viajar com um “livro aberto”. A inserção de Cabo Verde na sub-região africana em que está inserido, a visão estratégica sobre a CPLP e outras notas dominantes do seu Programa de Governo, com ampla repercussão na política externa do arquipélago insular situado num ponto de extrema relevância geopolítica, constituem igualmente pontos altos da entrevista.
Que significado atribui a esta primeira visita que efectua a Angola na condição de Primeiro-Ministro de Cabo Verde?
Ulisses Correia e Silva – Temos uma grande expectativa, posso dizer que é o primeiro país africano que visitamos enquanto Primeiro-Ministro. Tem significado no propósito de estabelecermos com Angola uma parceria estratégica forte. Quando digo parceria estratégica, é mais do que um quadro de cooperação. É a nível do diálogo político, das relações institucionais e também da cooperação empresarial e para o investimento. São áreas que nos interessam particularmente. Nesta primeira visita, vamos essencialmente abrir perspectivas políticas para depois podermos concretizar essas várias vertentes, reforçando as nossas relações com Angola.
De um modo geral, que enquadramento faz das relações entre Angola e Cabo Verde?
São boas e antigas, baseadas em laços de história e de cultura. Nós temos uma comunidade emigrada importante em Angola. O que pretendemos é aquilo que normalmente são ambições também dos governos, dar um salto mais qualitativo e de intensidade dessas relações tendo em conta que Angola é importante em África e na comunidade do países de língua portuguesa. Cabo Verde tem interesse em reforçar essas relações.
Em que eixos consiste a cooperação entre os dois países?
Neste momento, temos investimentos angolanos. É preciso lembrar que no sector financeiro, temos o BAI, no domínio das telecomunicações, a UNITEL e no sector dos combustíveis, a SONANGOL que tem uma participação na ENACOL que já vem da década de noventa. Há investidores angolanos no sector do turismo. Esse é um dos campos que queremos desenvolver, quer dizer, atrair investimentos angolanos para Cabo Verde no sentido de aproveitar as oportunidades aqui existentes e juntos podermos operacionalizar aquilo que Cabo Verde definiu como uma das grandes prioridades. Nós funcionamos como uma plataforma de relação com a África Ocidental. Desde a plataforma aérea à da economia digital, investimentos e o comércio. Cabo Verde, por ser um país estável, previsível e com uma boa localização pode, através dessa relação com investidores, empresários angolanos e também com o Governo ambicionar uma relação mais forte com a África Ocidental. Pretendemos juntar a estabilidade mais o capital e vontade política para termos uma relação de aumento das trocas comerciais e de investimentos inter-africano. Quanto digo inter-africano estou a falar da nossa região, a África ocidental.
Já se pode falar com mais precisão de investimentos de Cabo Verde em Angola?
Tem havido algumas iniciativas,, como no sector da construção civil. Mas, é algo que se pode perspectivar, tendo em conta que o empresariado cabo-verdiano em determinados sectores pode ter algum potencial de entrada. Estou a falar, por exemplo, de tecnologias de informação e comunicação, e de economia digital, onde temos empresas a posicionarem-se e muitos jovens com talento. É umas áreas em que podemos abrir espaço para empresários cabo-verdianos em Angola.
Tendo em conta as valências de Cabo Verde e a sua localização estratégica, que tipo de serviços o país está em condições de exportar para Angola?
Nós queremos e temos estado a desenvolver um quadro da parceria institucional, o que pressupõe considerar não só o que Cabo quer e deseja, mas também o que Angola quer e deseja. Estou a dizer que vamos para esta missão com um livro aberto. Não vamos com receitas pré-definidas. Vamos com temas, mas vamos com abertura para casar os interesses. Saber do lado angolano em que podemos ser úteis, e do lado cabo-verdiano em que domínios Angola pode ser útil, no quadro de uma cooperação institucional, creio que pode ser interessante. Estou a falar do reforço institucional no domínio da descentralização, sei que é uma ambição do governo angolano. Cabo Verde tem uma experiencia interessante que podemos partilhar. No Sector da educação temos toda abertura para explorar áreas de cooperação e no domínio empresarial há uma vertente forte para explorar.
Há algum tempo foi ventilada a possibilidade de Cabo Verde enviar professores para Angola ao abrigo da cooperação no sector da educação. Há algo de concreto em relação à matéria?
Aventou-se essa possibilidade, mas não há ainda nada em concreto. São matérias que podem ser discutidas em Angola, como eu disse, sempre no sentido de conciliarmos aquilo que de facto o Governo de Angola e o de Cabo Verde consideram importante para reforçar a parceria.
O Núcleo Operacional da Sociedade de Informação (NOSI) trata-se de um mecanismo através do qual Cabo Verde acumulou experiência em países africanos como a Guiné-Bissau, Moçambique e Guiné Equatorial. Até que ponto essa experiencia pode ser também implementada em Angola?
Cabo verde está bem cotada em África a nível das tecnologias de informação. Estamos nos quatro primeiros lugares. Há uma experiência que já vem de mais de duas décadas relativamente ao desenvolvimento do NOSI. Hoje, temos competências instaladas e experiências no desenvolvimento de aplicações de tecnologias, nomeadamente no E-GOV IGOCBA?, que visa utilizar a tecnologia para permitir a maior eficiência de todos departamentos governamentais, desde o sector das finanças, fiscalidade, saúde, educação e tudo que tem a ver com a administração do Estado. Foi assim que o NOSI nasceu, uma experiência que pode ser partilhada. Temos todo interesse em fazer uma forte parceria nessa área.
Cabo Verde tem sido referência de boa governação e de conquistas que lhe permitem estar bem cotada no índice mundial de desenvolvimento humano. Existe alguma receita para se tornar um caso de sucesso de África?
Receitas não há. Cada país é um país, tem as suas condições sociais, culturais e institucionais. O que existe, e nós partilhamos, são os valores, experiências universais e as boas práticas. Depois, há a realidades concreta dos países. No caso de Cabo Verde entendemos que um dos factores fundamentais para o nosso desenvolvimento é a estabilidade económica, social e política, baixos riscos e um nível de democracia elevado que colocam este país em condições de ter um papel relevante na economia mundial e no concerto das nações. Por isso é que não nos baseamos em outros recursos que não sejam esses, a estabilidade e a qualificação dos recursos humanos. Pensamos que são matérias sobre as quais qualquer país se deve debruçar. Hoje não se faz desenvolvimento e crescimento apenas na base dos recursos naturais e minerais, esses são apenas instrumentos para os transformarmos em educação, saúde, em bem estar e rendimento.
O fundamental são as relações de confiança que as economias e os países criam para os seus cidadãos, investidores e para as relações com outras nações. É fundamental criar instrumentos de progresso. A inovação, a tecnologia, a ciência, a alta qualificação dos recursos humanos é de facto a base para essencial para conseguirmos o progresso e desenvolvimento. É sobre esses factores que este pequeno país trabalha, fazendo com que os activos sejam mais qualificados.
O turismo representa cerca de 20 por cento do Produto Interno Bruto de Cabo Verde. Qual o peso daquela percentagem na economia do país?
Na verdade é relevante, estamos a falar de 20 por cento e vai aumentar. Já recebemos cerca de 700 mil turistas por ano e, pensamos atingir um milhão até 2021. O turismo é o sector que gera mais emprego e maior rendimento na economia pelo facto de também potencializar duas coisas: os naturais, a natureza, sol, praia, diversidade das ilhas e a sua localização. A estabilidade faz com que os turistas cheguem a Cabo Verde com sossego e tranquilidade. Evidente que não pretendemos desenvolver a economia só na base do turismo. Isso tem riscos, por isso queremos diversificar o próprio turismo para não ficarmos apenas dependentes do sol e praia. Há o turismo da natureza, por exemplo, que se pode fazer em Santo Antão, no Fogo ou na Brava, o turismo balnear que é para ilhas do tipo Sal e Boavista. Pretendemos desenvolver a indústria, o sector da economia digital e as exportações via comércio. Temos que ter um conjunto de sectores a se desenvolver para não ficarmos presos ao turismo.
Com base no turismo criamos condições de desenvolvimento de outros sectores como a agro-indústria, as pescas e as indústrias criativas para oferta desse mercado. Portanto, é um conjunto de sectores que pode contribuir para atingir um mercado que está em crescimento. O nosso mercado hoje não é apenas o de 500 mil cabo-verdianos com um PIB per capita de quatro mil dólares. É de mais de um milhão, quer dizer os 500 mil mais o número anual de turistas. A tendência vai criar um mercado interessante, não só pela quantidade, mas também pela capacidade de imposto de consumo de qualidade. Queremos alargar esse mercado quando olhamos para os 300 milhões de consumidores da África Ocidental, na CEDEAO. Podemos ter aqui um potencial grande.
Olhando para a política externa, Cabo Verde assume em Junho a presidência da CPLP. Qual é a visão do seu governo sobre a comunidade que alguns observadores consideram pouco mais do que um bloco de países que usa a mesma língua oficial?
A CPLP deve ser muito mais, é a construção dos países que a integram. Temos o domínio da língua como importante porque justifica o facto de estarmos juntos e a História, mas a CPLP tem um potencial grande. Não é por acaso que outros países que não são de língua portuguesa estão a pedir adesão, estando hoje como observadores. Representamos um mercado de mais de 250 milhões de consumidores. Quando digo consumidores não me refiro só ao consumo, mas aà produção de arte, ciência, cultura, tecnologia e nível de desenvolvimento diferente que podemos partilhar. Vamos partir para a presidência com a missão de dar um contributo para termos o reforço do conceito de comunidade através de mobilidade, portanto a livre a circulação dos cidadãos no espaço da CPLP. A circulação não é só de pessoas. A possibilidade de fazer investimentos, turismo, ciência, tecnologia e inovação circula através das pessoas.
Um outro tema é referente a pessoas e oceanos porque estamos banhados pelo mar que traz uma perspectiva muito grande de desenvolvimento futuro em tudo, desde a energia à investigação, isto é comum para todos os países da CPLP. Sobre a cultura começamos a discutir a criação de um mercado comum de artes e cultura que dará a possibilidade de bens e serviços culturais circularem livremente no espaço da CPLP. No fundo, quebrar as barreiras aduaneiras e fiscais relativamente a circulação da produção de arte cultural na CPLP é uma experiência que queremos desenvolver durante a nossa presidência.
Por falar em comunidades, teria sentido reforçar as relações entre os PALOP criando uma entidade formal?    
Acho que devemos apostar na CPLP que já integra os países africanos de língua portuguesa, independentemente das relações bilaterais ou outras que possam existir entre os cinco. Devíamos potenciar mais a CPLP que é uma potência grande de desenvolvimento nos diversos domínios económicos e partilha de conhecimentos em áreas que fazem inovação na ciência, tecnologia e cultura. Temos um potencial grande a desenvolver.
Quer dizer que uma CPLP forte acaba por ter repercussão entre os PALOP…
Não tenho dúvidas sobre isso porque fazem parte da comunidade. Não são maioritários em população, porque só o Brasil já tem um peso grande, mas maioritários em termos de países, impulso e liderança dentro da CPLP.
O seu programa de governo é muito assertivo em relação à integração na sub-região africana em que Cabo verde está inserida, à CEDEAO, e ao continente em geral. A nomeação de um ministro da integração pode ser interpretada como um sinal nessa direcção?
Faz parte, é uma questão de colocarmos foco em matérias que têm a ver com a integração regional e termos maior domínio dos dossiers, quer políticos, quer técnicos e estarmos mais presentes. O ministro tem só essa incumbência delegada directamente pelo Primeiro- Ministro – porque é um ministro adjunto – para podermos ter um papel muito mais activo no seio da CEDEAO e defendermos Cabo Verde já que o nosso país tem especificidades na comunidade. Somos o único arquipelágico e insular. O nosso país é pequeno, com uma configuração diferente das economias do continente. Por isso temos todo interesse em estar presentes, vincar as nossas especificidades, contribuirmos e tirar proveito da nossa presença na CEDEAO.
Qual é o posicionamento actual de Cabo Verde no seio da CEDEAO, comunidade que alberga Nigéria, país detentor de uma das economias mais fortes do continente? Cabo Verde teve problemas, ou divergências, com a comunidade…
Não houve problemas, nós estávamos a tentar firmar uma candidatura para a presidência da Comissão Executiva da CEDEAO. Segundo os Estatutos e critérios da rotatividade seria a vez de Cabo Verde. Outros critérios foram colocados pelo meio e o país não conseguiu a presidência. Esse é o único problema que temos a apontar. Quanto à nossa estratégia, é de facto assumir um papel de utilidade enquanto membro e de ter participação activa do ponto de vista institucional. Há um conjunto de matérias que vinculam a comunidade do ponto de vista económico onde há um potencial muito grande de desenvolvimento. As relações de comércio de Cabo Verde com a CEDEAO são a volta de 2 por cento. Aliás, o comércio intra-africano não passa de 13 por cento, valor muito baixo. Nós queremos contribuir e para Cabo Verde isso é relevante. Somos uma economia pequena que precisa de se integrar para podermos dar uma quota de contribuição para que esse nível de comércio e investimento entre países africanos aumente sem pôr em causa a sua abertura para o mundo exterior. É fundamental também que Africa consiga vender, transaccione para o resto do mundo e não produza apenas para dentro.
À luz do programa AGOA (Lei de Crescimento e Oportunidade para África) em vigor nos Estados Unidos da América, Cabo Verde pode exportar produtos para aquele país. A medida implica a reestruturação do mercado exportador do país?
Sim, implica e já estamos a trabalhar nisso. Quer dizer que temos que ter indústrias preparadas para exportar nas condições em que os Estados Unidos exigem para os produtos entrarem no seu mercado. Estamos a trabalhar no sentido de definir que nichos de produção desenvolver para podermos exportar ao abrigo do AGOA. É uma oportunidade que Cabo Verde tem aproveitado muito pouco. Já começa a haver alguma actividade, nomeadamente no sector da indústria pesqueira, mas precisamos de aumentar esse nível de exportação. Lá está uma área de oportunidade que podemos desenvolver em conjunto com investidores angolanos porque se trata de exportar para os Estados Unidos sem barreiras e sem pagamento de imposto de taxas aduaneiras.
Quais sãos os principais produtos de exportação de Cabo Verde?
A indústria pesqueira de conservas, temos uma fábrica em São Vicente, a Frescomar, que exporta para o mercado europeu um conjunto de produtos ligados à pesca. Temos duas empresas têxteis exportadoras nesse domínio também em São Vicente e componentes para a produção de calçados. São essencialmente áreas industriais que têm grande potencial de crescimento.
Assinou em Washington um acordo que prevê a circulação de militares norte-americanos em Cabo Verde. Estamos diante do prenúncio da instalação de uma base militar, apesar de a Constituição da República proibir bases militares estrangeiras no território?
Não é o prenúncio, nós assinamos um acordo que é um estatuto que permite dar cobertura a operações de militares americanos em Cabo Verde, nomeadamente no sector de vigilância marítima e exercícios da nossa zona económica exclusiva que já fazemos com os Estados Unidos, assim como cpm o Brasil, França, Portugal e outros países da Europa. É importante para a nossa guarda costeira. Ao mesmo tempo contribui para a vigilância da nossa zona económica exclusiva. Temos interesse sim, não em instalação de bases militares, mas em ter um papel relevante na segurança cooperativa, tendo em conta a localização de Cabo Verde numa zona de muita circulação. Nós queremos ter um papel relevante. Cabo verde precisa de reforçar o seu próprio nível de segurança. Ter bons aliados como os Estados Unidos da América e a União Europeia é importantíssimo para a nossa segurança e para o papel que Cabo Verde pode desempenhar na segurança cooperativa nesta zona da Africa Ocidental e do Golfo da Guiné. Isso potencializa a nossa posição relativamente à própria CEDEAO.
A propósito de segurança , Cabo-Verde situa-se numa encruzilhada, ou seja num ponto estratégico entre os três continentes, nomeadamente África, as Américas e a Europa. Face à ameaça global patenteada pelo terrorismo precisaria Cabo Verde de uma âncora? Como é que o país se pode precaver?
É isso mesmo, ter uma âncora e ter bons aliados. Hoje, é um desafio global. Nenhum país, nem os Estados Unido da América, consegue resolver o seu problema de segurança sozinho. Ter bons aliados é um desafio que se coloca a Cabo Verde e a qualquer outro pais que queira estar seguro. Como disse, temos estado a resolver programas de reforço da segurança com os Estados Unidos e a União Europeia.
Cabo Verde tem manifestado interesse em reforçar relações com a União Europeia. O propósito vai ficar pelas relações com as vizinhas Ilhas Canárias, Madeira e Açores ou vai mais além do eixo?
Reforçar as relações com a União europeia através da Macaronésia é uma das nossas prioridades. Estamos a trabalhar afincadamente para podermos ter o reforço da nossa parceria estratégica, mas a nossa relação com a União europeia é noutro âmbito mais alargado. Um pequeno país tem que ter, não diria apenas âncoras, mas tem que estar situado em zonas económicas que sejam dinâmicas e uma dessas zonas é o espaço da União Europeia. Daí que tenhamos desenvolvido uma série de instrumentos para permitir que essa relação ganhe cada vez mais reforço, sem prejuízo do nosso papel relativamente a zona de integração económica onde estamos inseridos.
Jornal de Angola

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