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Opinião

Descentralização e participação

Mário Alberto Galina Pais*
A Administração Pública cabo-verdiana necessita da moderna descentralização. O Governo encontrará muita resistência e difilculdade no seu atual quadro de pessoal para prosseguir o alargamento e implementar a descentralização de modo a obter mais eficiência nas suas políticas públicas que são parte da questão mais ampla da descentralização e da democratização do Estado.
A moderna descentralização, dúvido, por mais que seja boa a intenção, não pode substituir um setor público fraco e sem transparência, socialmente ineficaz e administrativamente improdutivo.
Os Autores que estudaram e/ou estudam este tema procuram estabelecer as relações entre descentralização e participação. Todos os que advogam a moderna descentralização invocam a sua capacidade de promover a participação.
BORJA, Jordi (1988) diz que:
O desenvolvimento da administração pública, pela multiplicidade e complexidade do seu intervencionismo na vida económica e social conduz à rigidez uniformizadora, à burocracia pesada, à insensibilidade social. Os partidos, por seu lado, convertidos em máquinas eleitorais que selecionam os quadros para as instituições, vêem-se acometidos por vícios similares. O Estado torna-se mais opaco e mais inacessível. O desenvolvimento da participação direta faz-lo-a mais transparente e mais próximo, portanto mais vulnerável às pressões sociais, mais aberto à mudança. O desenvolvimento da participação significa a incorporação de grupos e interesses sociais e de valores culturais quase sempre distintos dos que prevalecem nas administrações públicas. Defrontam-se conteúdos e métodos, o que produz mudanças tanto na organização interna como nos objetivos das administrações públicas. A participação tem também uma função educativa, desenvolve a consciência cívica dos cidadãos, reforça os laços de solidariedade e torna mais compreensível e aceitável a noção de interesse geral. A política torna-se mais tolerante e realista e da mesma forma a burocracia humaniza-se. Os coletivos sociais participantes tomam consciência do caráter limitado das opções possíveis e dos recursos utilizáveis. A participação permite ainda que os grupos mais ativos, mais dinâmicos, intervenham na gestão pública e contribuam para modernizá-la. Por outro lado, os grupos marginais, os mais pobres e abandonados, podem encontrar na participação direta – sempre que se implementem procedimentos especiais a eles destinados – uma primeira forma de reconhecimento de seus interesses. A participação é ao mesmo tempo um meio e um objetivo democrático: reconhece direitos de intervenção a todos os cidadãos e persegue fins igualitários para a sociedade.
JACOBI, Pedro (1990) a partir das experiências europeias afirma que a participação dos cidadãos na gestão dos municípios pode ter duas modalidades básicas:

  1. a) participação setorial para temas específicos dos quais se encarregam as secretarias e
  2. b) participação territorial através da descentralização de competências.

Afirma ainda que duas parecem ser as condições fundamentais para viabilizar a participação popular:

  1. a existência de organizações populares com certa presença a nível local e
  2. a ocupação de cargos políticos do município por parte de partidos ou indivíduos favoráveis à mesma.

A partir das experiências dos modelos participativos surgiram questões importantes. Na Itália observou-se que a ênfase na participação desacompanhada de uma efetiva descentralização político-administrativa gerou sérios problemas na medida em que as demandas populares não podiam ser resolvidas por governos locais, sem autonomia política e financeira. PERDIGÓ, Juan (1984).
O tema da participação através da moderna descentralização também tem sido posto em discussão particularmente no que se refere à política e discursos oficiais.
Primeiro porque a participação, nas próprias palavras de BORJA, exige uma tripla credibilidade do Estado que deve ser considerado democrático, honesto e eficiente, ou seja, representativo em todos os níveis, descentralizado e defensor decidido das liberdades da sociedade. Portanto a moderna descentralização não pode substituir um setor público fraco e sem transparência, socialmente ineficaz e administrativamente improdutivo como o nosso.
Em segundo lugar, passa a ser um álibi quando independente das intenções democráticas dos que a sustentam, é apenas um aspecto de uma política de liderança carismática ou de poder “partidocrático”. Em terceiro, não pode ser um programa, cuja aplicação dependa do vontade dos governantes e que possa ser alcançado simplesmente por vias legais e administrativas. Ao contrário, deve ser o resultado de longo e complexo processo de democratização das relações sociais, onde estão em jogo definições concretas de transferências de poder. Em quarto lugar, a participação abre espaços a mais grupos organizados e qualificados que atuam por meio de mecanismos já existentes, mas continua difícil a atuação dos grupos que mais atenção requerem. Não se pode esquecer que as organizações sociais são relativamente frágeis ou extremamente especializadas (corporativas, de vizinhança) e que a maioria da população tende a estabelecer relações individuais e diretas com a administração pública.
E por último, é principalmente o encontro entre instituições representativas, partidos e administração pública, com os movimentos e organizações sociais, autónomas em relação àqueles.
Portanto, a participação é um método de governo, um estilo de fazer política no Estado e na sociedade, que supõe cumprir prévia ou simultaneamente, os requisitos da racionalização e descentralização do Estado. Maior ou menor participação é mais um problema de Estado e dos governos que da sociedade. O entendimento oposto tende a excluir de facto a maioria dos cidadãos e ainda culpá-los por não participarem.
O que se pode constatar nas experiências europeias é que a moderna descentralização coloca em cena distintos interesses e agentes sociais, favoráveis ou contrários ao processo. Entre os favoráveis destacam-se os representantes políticos locais; profissionais e alguns setores do funcionalismo envolvidos na gestão local, movimentos sociais de base urbana ou territorial; agentes económicos locais. Mas também intervêm agentes com objetivos menos políticos e mais particularistas, representando a permanência dos velhos padrões da política:
– representantes das velhas oligarquias locais;
– aparelhos políticos-partidários pouco democráticos e eficientes que pretendem legitimar-se e auto-conservar-se através da demagogia localista;
– setores económicos (construtores, concessionários de serviços públicos, especuladores imobiliários, etc.) que preferem tratar com administrações públicas mais próximas e mais débeis;
– interesses corporativos que reivindicam privilégios de autonomia local e outros.
Entre os que se opõem há os que o fazem de forma aberta e os que procedem de forma disfarçada. Diversos estudos e pesquisas em países europeus confirmam a existência de forte resistência em 3 grupos sociais bem definidos:
– líderes políticos (dirigentes de partido e parlamentares),
– o funcionalismo público do governo central e
– grandes grupos económicos com estreita ligação com a Administração Pública.
 
*(Licenciado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, Brasil)
Praia, 14.03.2018
 

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