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Opinião

Notas soltas de um ano novo

Paulo Mendes*
O Governo de Cabo Verde começou o ano novo com um governo aparentemente renovado, depois de 18 meses de tomada de posse. Digo “aparentemente”, na medida em que o governo ficou o mesmo no seu essencial: mais 3 ministérios, mais 6 secretários de estado e ninguém saiu.
O primeiro-ministro deixou de ser apologista de um governo minimalista para um governo com mais membros, situação que sempre achei que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por acontecer. No entanto, tinha a expetativa de uma mudança mais substancial no executivo, nomeadamente na saída de alguns ministros: falo, por exemplo,  do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas – cujo mandato tem sido marcado por uma excessiva fricção com os agentes culturais em vez de uma postura de criação de pontes e de condução de uma verdadeira política cultural – e do Ministro da Administração Interna, que, não obstante ser um técnico competente, tem apresentado ao longo do tempo algumas debilidades a nível de gestão política (a última foi a greve dos polícias).
Fiquei satisfeito com a deslocação da Economia Marítima para a ilha de S. Vicente. Acredito que a descentralização e a criação de políticas convergentes com um desenvolvimento harmonioso deverão passar, em larga medida, por uma visão global de descentralização de organismos públicos. O problema é que essa descentralização tem um custo acrescido e, se não for acompanhada por outras medidas estruturais, será basicamente uma medida simbólica e desprovida de qualquer retorno real para a ilha de S. Vicente e para o próprio país.
A gestão política de Cabo Verde com a nossa sub-região tem sido, muitas vezes, assente em medidas avulsas e como resposta às situações conjunturais e não alicerçada numa visão estruturada. Acredito que a atitude do primeiro-ministro, ao ter chamado para si esta estrutura, foi uma resposta ao fracasso da conquista da presidência da CEDEAO por parte de Cabo Verde. A definição do nosso relacionamento com África e com a Europa deverá ser baseada na nossa dimensão cultural, histórica e geográfica e nos ganhos que queremos obter enquanto país. Tenho a nítida perceção de que andamos a vaguear nesses últimos 10 anos, a nível de posicionamento político, entre a África e a Europa e sem uma visão muito clara sobre o que queremos exatamente. Lembro, há uns anos, no governo de José Maria Neves, o Carlos Lopes, no âmbito de uma conferência, que teceu duríssimas críticas sobre a relação de Cabo Verde com o continente africano. Nos dias seguintes entrámos quase que numa esquizofrenia nacional a discutir a nossa relação com o continente Africano. Voltarei a este assunto de forma mais aprofundada num próximo artigo, mas parece-me que não devemos deixar que sejam os outros (instituições e pressões externas) a definir-nos enquanto povo. Se a nossa posição geográfica e a nossa herança cultural estão fortemente ligadas aos dois continentes, temos de fazer o possível para tirar partido desta condição múltipla de pertença e não fazer disso um problema. Se não tivermos uma visão política clara sobre isso, andaremos a vaguear por aí sem conseguir potencializar este fator diferenciador de Cabo Verde.
Tenho imensa pena de que Cabo Verde não esteja, de novo, a maximizar as potencialidades da diáspora cabo-verdiana. Existe um discurso e um sentido de ação que cria uma expetativa na criação de uma nova agenda de relacionamento de Cabo Verde com a sua diáspora, mas que sucessivamente não passa disso mesmo: pouco ou nenhum resultado; ao próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tutela a área das comunidades, acredito, honestamente, que não lhe tem sobrado muito tempo para dar a devida atenção às comunidades e para colocar de pé uma verdadeira agenda nesta área. Para mim, a questão não se resume necessariamente à criação de um Ministério das Comunidades ou uma Secretaria de Estado; tem a ver com um sentido estratégico, por forma a aproveitarmos, no limite das nossas capacidades, as mais-valias que a diáspora pode imputar ao nosso processo de desenvolvimento. Cabo Verde não seria a mesma coisa sem a sua diáspora e temos, coletivamente, uma dívida gigantesca para com milhares e milhares de cabo-verdianos que, em diferentes geografias, levam e ampliam a cabo-verdianidade todos os dias. Não aproveitar com políticas públicas estruturadas essa mais-valia é, no mínimo, um erro gigantesco.
Por último, não percebo a não criação ainda de um Ministério apenas para a Inclusão e da Coesão Social em Cabo Verde. Deixar as questões sociais na mesma esfera que a Educação (apesar de perceber o sentido), não irá permitir a este governo atacar de forma consistente o problema social. O crescimento económico, quando não acompanhado de uma atenção particular junto dos vulneráveis, potencia, a médio e longo prazo, grandes disparidades sociais. É necessário, por isso, uma outra atitude e ação neste campo.
Uma nota de rodapé. A página oficial do governo de qualquer país, num contexto atual cada vez mais digital, é a porta de entrada e um indicador importante na forma como o país se posiciona. O site do governo, para além de não estar atualizado (ex: a última remodelação governamental não está refletida no site), está completamente obsoleto. A inovação pode começar por aí.
*Sociólogo
mendespaulo@gmail.com

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