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Opinião

E se formos mais tolerantes?

Natacha Magalhães 
Hora de balanço. Poderia falar de muita coisa. Da chuva que não caiu para o desespero dos homens e das mulheres do campo. Da nossa TACV que depois de anos e anos a ligar as ilhas e estas ao mundo foi restruturada e não se sabe como tudo irá terminar. Por arrastamento, falaria da Binter, rainha e senhora dos céus das ilhas, através dum negócio que o governo teima em não explicar nem mesmo quando a Oposição e a Sociedade assim o exigem; da insegurança e da criminalidade que agora tem laivos de crueldade jamais vista, com pessoas a serem violentamente agredidas, sequestradas e extorquidas e, coisa muito séria, do desaparecimento de pessoas; dos abusos sexuais a menores; dos menores às portas dos estabelecimentos comerciais a pedir dinheiro; do assédio sexual, que continua sendo tema tabú. Poderia ainda referir-me à economia. Ao país que não cresceu a sete por cento, como prometeu o primeiro ministro, que agora reconhece que, para cumprir as promessas, um governo enxuto não lhe serve; da classe empresarial que continua a espera de melhores dias e do empreendedorismo que não passa de discurso charmoso que, de vez em quando, se enfeita de iniciativas que servem para evidenciar a capacidade criativa dos jovens, mas que na prática, se resume a momentos desanimadores para quem não possui as garantias que a banca pede para conceder crédito, enquanto a CV Garante continua impávida e serena, sem cumprir com a missão para a qual foi criada; dos manuais da “matimática” e das explicações que não convenceram. Poderia falar da nossa diplomacia e do dossiê Cabo Verde versus presidência da CEDEAO. Muitas outras coisas poderia eu escrever sobre este ano de muita turbulência.
Mas irei centrar-me num tema só. Perceberão os leitores mais à frente.
Quando 2017 começou, estávamos convictos de que seria um ano melhor que 2016. Afinal, não houve tempo, nesse ano, para as coisas serem um pouco melhores. Tínhamos saído de três eleições, estava tudo em mudanças e era preciso dar tempo aos novos donos do barco para se adaptarem à correnteza, arrumarem a popa, a proa e o convés. E entre as arrumações, aliás, muito antes delas começarem, fomos ouvindo aqui e ali, a palavra FELICIDADE. Sim, se me perguntaram qual foi a palavra que os cabo-verdianos mais ouviram em 2017, direi que foi felicidade. Seriamos, pois, mais felizes porque quem nos passou a governar iria trabalhar para que tivéssemos acesso à formula da felicidade: emprego, saúde, segurança, casa, pão e… tudo conjugado, aquilo que só se consegue alcançar com isso tudo: paz. Pessoal e social.
E se felicidade tivéssemos, seriamos um povo mais tolerante? E vem-me agora a segunda palavra. (In)Tolerância. Na hora do balanço, pode-se afirmar que 2017 foi um ano de muita intolerância. O cabo-verdiano continua a lidar e a conviver muito mal com a opinião contrária e se nega a aceitar que nem todos têm que pensar e dizer as mesmas coisas e que coisa outra não poderia se esperar de um Estado de Direito e uma democracia que, apesar de jovem é uma democracia reconhecida e logo, cada um deve, como disse Cabral, “pensar com a sua própria cabeça”. Os sinais dessa dificuldade de se conviver com o contraditório chegaram de onde e daqueles que deveriam ser o exemplo. Do Parlamento – onde os nossos representantes ofendem-se e acusam-se por qualquer coisa -, ao Governo, passando por certas autarquias e figuras politicas, os discursos e as intervenções nos deixaram, umas quantas vezes, incrédulos e estupefactos, não apenas por conterem uma carga demasiadamente agressiva, mas, principalmente, por serem em alguns casos, tentativas veladas de condicionar por um lado, a Oposição, e por outro, a opinião pública que por algumas vezes, opinou e se posicionou contra actos e medidas que mexiam com os interesses nacionais.  E nesse exercício de intolerância, nem mesmo instituições criadas à luz da Constituição foram poupadas. Ainda assim, enchemos o peito de orgulho porque a Freedom House, nos elegeu como a melhor democracia da África, em 2017.
Assistimos ao longo do ano casos onde faltaram claramente o respeito pela diferença e diáogo, única “arma” capaz de gerar consenso e equilíbrio e, consequentemente o cumprimento da ordem social. Não poucas vezes fomos vendo e ouvindo pela Imprensa e lendo nas redes sociais imagens que espelham um conflito que, em nosso entender, se assemelha a um caldeirão que ferve e começa a borbulhar e que não sendo devidamente acompanhado, transbordará com consequências sérias. Não será chegada a hora de se pôr cobro ao conflito que opõe a Guarda Municipal às vendedeiras da capital do país? Se estas não têm razão nenhuma, porque a cidade não é um mercado a céu aberto e muito menos as ruas peixarias, também é inadmissível que uma instituição com poderes constitucionalmente consagrados não seja capaz de se sentar a mesa com as representantes dessas mulheres e tenha que fazer uso de pedras para resolver casos de desacato. Saberá, certamente, a Guarda Municipal que violência só gera violência.
Enquanto isso, fomos levando a nossa vida. Se fomos felizes em 2017? O crioulo gosta de responder, quando é questionado como está, “mais ou menos”. Nunca está bem, também não está mal. Os adultos reclamam nas paginas do facebook. Comodamente, como sempre. Os mais jovens, anestesiados e alienados “dessas coisas”, mostram-nos que estão felizes e ainda que sem trabalho e com o futuro incerto, embarcam no “kumi, bebi” e vão espalhando afetos em festivais do “I love”, para desespero e revolta dos que tentam descansar, mas nada podem fazer porque nem quem deveria pôr cobro ao barulho consegue ou não quer fazê-lo. Autoridade do Estado? O que é isso, exatamente?
Mas nem tudo foi mau. No meio da turbulência, de falta de diálogo, tolerância, clareza e transparência, houve coisas bonitas e boas. Como o primeiro implante de um “pacemaker” feito por uma equipa do serviço de cardiologia do Hospital “Dr. Agostinho Neto”; o lançamento do weblabs, projeto que irá, em 2018, aproximar os alunos do ensino secundário às novas tecnologia; a vitória do Gracelino que foi sozinho a Tailândia e trouxe três medalhas de ouro e a dos Mon na Roda que trouxeram cinco de um campeonato internacional de dança em cadeira de rodas; a Natalie Silva, filha de imigrantes cabo-verdianos, que venceu as eleições municipais em Larochette, Luxemburgo. Não podia deixar de mencionar a manifestação dos são-vicentinos que, independentemente das razões, saíram à rua em massa para mostrar que em democracia o povo é quem mais ordena.
2017 já la vai. Que venha o novo Ano. 2018 deve ser seguramente um ano para ensinar a humildade aos cabo-verdianos. Todos, sem exceção. E aprendermos que um país se constrói com todos, com diferentes pontos de vista. E que um barco deve ter um norte claro, mas deve ter também âncoras fortes, a norte e a sul. Ao oriente, se for necessário, mas certamente ao ocidente. Saber escolhê-las é imperativo.

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