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Política

Associações ajudam a sugar pensões sociais

A reboque de políticos, associações espalhadas pelo país recebem financiamentos para projectos que não concretizam e, muitas vezes, deixam rasto de dívidas onde actuam. Até o fundo das pensões sociais, no qual inscrevem proprietários e pessoas com rendimentos comprovados, ajudam a sugar o dinheiro público. Associações, modo de usar, é outro nome possível para este “mergulho” que a miséria cabo-verdiana ajudou a fomentar.
Do interior do Porto Novo, ilha de Santo Antão, a associação comunitária de Martiene colaborou na elaboração da lista das pessoas que deveriam receber a pensão de sobrevivência, atribuída pelo Estado a quem não tem outros rendimentos.
Numa actuação imponderada, os dirigentes daquela associação (e de outras na mesma ilha) incluíram na lista dos beneficiários proprietários de terrenos agrícolas e muito produtivos, donos de viaturas de aluguer e até uma proprietária de um trapiche. Todos passaram a receber os 4.900 escudos da pensão de sobrevivência como se pertencessem à camada mais pobre da sociedade cabo-verdiana.
Da lista de beneficiários, na Ilha das Montanhas, há ainda viúvas de ex-emigrantes que acumulavam pensões vindas da Alemanha, em montantes superiores a 50 mil escudos, com a de sobrevivência.
A acumulação dessa ajuda do Estado com outros rendimentos é ou era um fenómeno que se verifica um pouco por todo o país, tendo casos de reformados de empresas públicas, nomeadamente dos estaleiros navais da Cabnave, que, além da reforma, receberam durante anos os 4.900 escudos destinados a pessoas no limiar da pobreza.
Só ao longo deste ano o Centro Nacional de Pensões Sociais (CNPS), do Ministério da Juventude e Emprego, na cidade da Praia, identificou em Santa Cruz, ilha de Santiago, sete casos de pessoas que exercem actividades geradoras de rendimento e que recebiam, indevidamente, pensão social.
Cortes
Casos do tipo multiplicam-se pelo país. Tanto assim que dados recolhidos pelo A NAÇÃO indicam que, em média, o CNPS corta da lista dos beneficiários da pensão social 70 pessoas por mês, por motivos de vária ordem. Uns por falecimento, outros por, justamente, acumulação da pensão social com outros rendimentos. A isso juntam-se os casos de gente que não se encontra no país mas que, no entanto, consta da lista, auferindo dinheiro do Estado todos os meses.
Feito o cruzamento de dados, apurou o NAÇÃO, deixaram de receber os 4.900 escudos proprietários agrícolas, comerciantes e outras pessoas que o CNPS pôde provar e comprovar que não deveriam constar, e muito menos beneficiar, de pensão social. Mas, outros continuam a recebê-la, conforme dados recolhidos, também, por este jornal no terreno.
René Ferreira, do CNPS, confirma parte dos desvios e realça que entre 2013 e 2014 a limpeza da lista foi superior à média acima referida devido a uma alteração na lei. “Houve um momento em que o número de baixa excedeu essa média, em decorrência da entrada em vigor da Lei nº 38/VIII/2013, de 7 de Agosto, que desenvolve o Regime Geral da Protecção Social ao nível da Rede de Segurança, estabelecendo, de forma explícita, que a pensão social não pode ser acumulada com outras prestações pecuniárias asseguradas por outros regimes de segurança social nacional ou estrangeiros”, informa.
Alimentar vício
A investigação deste jornal leva, entretanto, a outros desvios no destino da pensão social. Há casos em que duas ou três pessoas de uma mesma casa recebem os referidos 4.900 escudos e, em vez de usarem esse dinheiro para atenuar a extrema pobreza, utilizam-no para sustentar o vício ou a dependência alcoólica. Recebem a pensão e levam-na directamente a um local onde fazem uma espécie de fornecimento diário de bebida alcoólica.
Ou seja, contas feitas, dos cofres do Estado saem mais de 107 mil contos para pagar mais de 21 mil pensionistas e parte desse dinheiro, em vez de servir para comprar bens da primeira necessidade, desvia-se para sustentar o vício dos benificiários.
Há casos do tipo visíveis na Ribeira Grande, Santo Antão, onde há mais de 1.800 pensionistas, mas também em Santiago, ilha onde fica quase 50% dos benificiários, ou em outros concelhos do país. Basta estar um pouco mais atento, ir a locais de venda de bebidas alcoólicas para se comprovar essas situações.
E o que fazer quando isso acontece? Como o Estado deve actuar para evitar esse efeito pernicioso? Foi o que esta reportagem tentou perceber. E do CNPS recebemos a resposta de que a solução passa pela actuação concertada de várias entidades.
“Quanto à utilização indevida do benefício auferido, o CNPS tem colaborado sempre que confrontado com situações do género, em concertação com os familiares dos pensionistas, Centros de Desenvolvimento Social e Câmaras Municipais, no sentido de se encontrar uma alternativa para que a pensão social contribua para o bem-estar dos pensionistas e não a sua deterioração”, diz René Ferreira.
Se é esse o caminho, as entidades e as famílias precisam acompanhar de perto, e em regime de urgência, tais situações. Como diz um economista na Ribeira Grande, não basta este ou aqueloutro governo enaltecer o número de pensões atribuídas; mostra-se necessário acompanhar onde vão parar e para que servem, caso contrário, gasta-se dinheiro dos contribuintes apenas para fins políticos ou eleitorais, provocando, entretanto, efeitos perniciosos em certas camadas sociais.
 

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